█ O Nó Górdio na Política

Segundo os dicionários, o nó górdio consistiria em uma lenda a envolver o rei da Frígia, na antiga Ásia Menor, e Alexandre, o Grande, alguns séculos depois. O termo é, normalmente, usado como uma metáfora para qualquer problema insolúvel; isto é, problema que, aparentemente, não teria solução, mas que poderia ser resolvido facilmente por algum ardil astuto de alguém que “pensasse fora da caixa”.


 A lenda conta que o rei da Frígia morreu sem deixar herdeiro e que, ao ser consultado o Oráculo, este anunciou que o seu sucessor chegaria à cidade num carro de bois. A profecia foi cumprida por um camponês de nome Górdio que, tendo chegado em um carro de bois, foi coroado rei. Este, para não esquecer de seu passado humilde, colocou a carroça com a qual ganhou a coroa no templo de Zeus e a amarrou em uma coluna com um enorme nó.


 O nó, na prática, era impossível de desatar e por isso ficou famoso e conhecido como Nó Górdio. Segundo o oráculo, quem desatasse o Nó Górdio dominaria o mundo.


Cinco séculos depois Alexandre, o Grande, ouvindo essa lenda ao passar pela Frígia, foi até o templo de Zeus observar o Nó Górdio. Após muito analisar, desembainhou sua espada e cortou o nó.


 Alexandre, poucos anos depois deste fato, tornar-se-ia se o senhor de toda a Ásia Menor.


A teoria da separação dos poderes, de Montesquieu, na qual se baseia a maioria dos Estados ocidentais modernos, afirma a distinção dos três poderes (executivo, legislativo e judiciário) e suas limitações mútuas.


O objetivo dessa separação proposta seria o de evitar que o poder se concentrasse nas mãos de uma única pessoa, para que não houvesse abuso como aqueles ocorridos nos Estados Absolutistas, por exemplo, em que todo o poder concentrava-se nas mãos dos reis.


Cada um desses Poderes teria, portanto, sua atividade principal e outras atividades secundárias.


Por exemplo, ao Legislativo caberia, principalmente, a função de produzir leis e fiscalizá-las, administrando e julgando em segundo plano. 


Ao Judiciário caberia a função de zelar pelo Direito, nos casos concretos, pacificando a sociedade em face da resolução dos conflitos, sendo suas funções secundárias e atípicas as de administrar e legislar.


 Ao Executivo caberia a atividade administrativa do Estado, isto é, a implementação daquilo que determina a lei, atendendo às necessidades da população em termos de infraestrutura, saúde, educação, segurança e cultura; sendo suas funções secundárias as de legislar e julgar.


 A Constituição Federal do Brasil, em vigor desde 1988, em seu artigo 2º dispõe sobre a corrente tripartite, ao prever que “são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.


 Ainda mais, como cláusula pétrea, seu artigo 60, § 4º, III, estabelece: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: […] a separação de poderes”


Estes dois artigos mencionados, a luz da antiga lenda frígia, constituiriam, pois, um Nó Górdio a desafiar aventureiros e cleptocratas, obcecados por galgar o poder objetivando receber tudo aquilo que de bom, segundo eles, viria junto com este.


 Mas, da forma como rezava a antiga lenda, apenas um ardil astuto poderia desfazer este nó, fazendo com que os três poderes, constitucionalmente independentes e harmônicos, na realidade, nada mais se tornassem do que uma simples lenda.


Bastava, para tanto, que eventuais integrantes de dois dos poderes se unissem, de forma esperta, para dividir entre eles o poder que antes pertencia aos três poderes.


E como proceder, a partir desta união de ideias, para implementar a decisão tomada? Simples. Um dos poderes, aquele que produz as leis, buscaria legislar sobre quase todas as atividades principais e secundárias do poder que administra o Estado, cerceando, assim, as atividades do seu responsável.


Ao poder que deveria julgar sob a luz do Direito os casos concretos, mediante casuísmos e interpretações esdruxulas, caberia, pois, impedir ao administrador do Estado de agir contra os interesses, confessáveis ou não, dos membros dirigentes destes dois poderes em conluio, alegando inconstitucionalidades. Ademais, os integrantes em conluio dos dois poderes se protegeriam mutuamente; os de um deles postergando, retardando ou deixando prescrever ações judiciais contra membros do outro poder e os membros deste fazendo leis que beneficiassem os integrantes do outro.


Estaria, pois, desfeito o Nó Górdio inicial, criado pela Constituição Federal acerca da independência dos poderes e, infelizmente, estabelecido um outro Nó Górdio, criado agora por eventuais integrantes, em conluio, dois dos poderes da República. Este novo nó, aparentemente, seria quase impossível de ser desatado.


Como impedir que integrantes de apenas dois dos poderes da república mandassem no país e ditassem as regras, à revelia de milhões de eleitores que elegeram um único presidente, justamente, para que só ele fizesse isto e em consonância com o seu Programa de Governo, pelo qual havia sido eleito?


Poderiam os eventuais integrantes em conluio dos outros dois poderes impedir o presidente de cumprir com o seu Programa de Governo, programa este que representava a vontade nacional de mais da metade da população e que, por isto mesmo, o havia conduzido ao cargo máximo da nação?


Evidentemente que não poderiam; pois a Constituição Federal de 1988 ainda permanece em vigor e fala em independência e harmonia de poderes.


O que poderia ocorrer é que as coisas seguiriam sendo feitas à revelia das diversas manifestações populares em contrário, que levariam às ruas milhões de pessoas. Algumas autoridades em conluio, dos dois poderes mencionados, simplesmente, não escutariam os apelos populares e seguiriam com aquilo que vinham fazendo; isto é, cerceando o poder do presidente, praticamente de mãos atadas após ter sido eleito.


 Este novo Nó Górdio, à primeira vista, pareceria mesmo impossível de ser desfeito. Todavia, lembremo-nos nesta nossa hipótese de que o presidente é um militar e que para o gênio militar nada é impossível, como bem demonstrou o general Alexandre, no passado, cortando o nó com a sua espada…