█ POSSÍVEIS CONCEPÇÕES ESTRATÉGICAS DA CHINA PARA O CONTROLE DA REGIÃO INDO – PACÍFICO

Pinto Silva Carlos Alberto[1]


1. GENERALIDADES


A evolução da China é a grande novidade do sistema Global no século XXI e traduz, verdadeiramente, uma ameaça de médio prazo à hegemonia econômica e militar dos EUA no Leste Asiático e na Ásia Central.


Espera-se, no que diz respeito à economia, que a China ultrapasse os EUA até 2028, e não mais em 2033, aponta o Centro de Pesquisa Econômica e Empresarial (CEBR) Britânico.[2]


Esquecida pela Geopolítica Americana durante o governo Obama devido à preocupação com o Oriente Médio[3], a China tem sido muito clara em suas ambições de liderar o mundo em importantes tecnologias do futuro, como robótica e Inteligência Artificial (IA).[4]


Em 2019 o governo da China publicou um Livro Branco onde expôs seus objetivos em matéria de defesa nacional, apontando que tanto as disputas territoriais por ilhas e recifes nos Mares do Sul e Meridional da China, como a ideia de uma independência de Taiwan são riscos para sua segurança nacional.


Vivemos um tempo de “Guerra Política Permanente” com o “uso de todos os meios disponíveis de uma nação para alcançar objetivos nacionais sem entrar em guerra (aquém da guerra)”, conforme preconizou George Kennan, diplomata e historiador estadunidense, defensor de uma política de contenção da expansão soviética durante a Guerra Fria.


Para enfrentar a ameaça levantada desenvolveu-se uma forma de “Guerra Política Permanente[5]” conhecida como “Conflito na Zona Cinza”, que é uma espécie de paz tensa, com o emprego eficaz das ferramentas à disposição do Poder Nacional, que permanece no limite da legalidade internacional, procurando sempre não ultrapassar a barreira que poderia levar a um conflito armado.


Como exemplo da “Guerra Política PermanentecomConflito na Zona Cinza” a China usa da coerção de baixa intensidade nas disputas marítimas para aumentar sua presença e controlar áreas indiscutíveis do Mar da China Oriental e Meridional. Durante os períodos de tensão, declarações oficiais e meios de comunicação estatais procuram enquadrar a ação chinesa como uma reação a ameaças à sua soberania nacional ou a provocações de atores externos. A China frequentemente usa uma progressão de passos pequenose incrementais para aumentar seu controle efetivo sobre áreas disputadas e evitar a escalada para o conflito militar. A China também usou políticas comerciais punitivas como instrumentos de coerção durante as tensões passadas e poderá fazê-lo em futuras disputas.


No período compreendido entre 1996 e 2017, expandiu em 665% seus gastos com defesa, incluindo investimentos em forças aeronavais e o desenvolvimento de sistemas antissatélites[6].


Os Estados Unidos e a China estão em desacordo sobre a influência na região do Indo-Pacífico; suas pretensões em relação ao Mar do Sul da China com ações A2 (antiacesso) e AD (negação de área), referentes às operações de interdição de acesso das forças navais inimigas, impedindo que penetrem ou avancem sobre determinados corpos de água; e as práticas econômicas de Pequim, os direitos humanos na região de Xinjiang, além de Hong Kong e Taiwan.


2. POSSIVEIS CONCEPÇÕES ESTRATÉGICAS DA CHINA


2.1. CONQUISTA DO HEARTLAND EUROASIÁTICO E O AFRICANO


O território da Eurásia tem testemunhado o crescimento de uma nova potência, um novo pretendente ao controle da região: A CHINA.


Levando em consideração Makinder, renomado geógrafo e geopolítico inglês, os inclinados pelo Poder Naval não compreenderam, ainda, “que” o conjunto continental da EUROPA, ÁSIA, e ÁFRICA efetivamente e não só teoricamente uma ilha,  a ILHA MUNDIAL”, e que, analisando a ILHA MUNDIAL “a ÁFRICA apresenta também um segundo Heartland ao SUL do Deserto do SAARA, que mostra certa semelhança ao com o NORTE HEARTLAND ou Euroasiático, que passa assim a denominar SUL HEARTLAND ou Africano.”

As atuações da China na África podem significar, também, a busca do controle do SUL HEARTLAND ou Africano, que é o coração da zona intermediária ou das vastas extensões de terras exteriores do crescente insular da Rússia e dos Estados Unidos. Está ação facilitará o controle do Magrebe7, a ligação com a Eurásia através da Península Arábica, e uma maior presença naval, e um maior controle pela China das Linhas de Comércio Marítimo do Oceano Índico.


Se os chineses, por exemplo, se aliarem aos Russos, poderiam representar um perigo para liberdade do mundo, simplesmente porque teriam acrescido uma frente oceânica aos recursos do grande Continente, vantagens que não puderam gozar, ainda, os russos, ocupantes da região pivô.


2.2. UTILIZAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO DE COOPERAÇÃO DE XANGAI (OCS)


Cooperação militar, econômica e de combate ao terrorismo e separatismo, envolvendo oito países membros, China, Rússia, Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Uzbequistão, Índia e Paquistão; quatro estados observadores: Afeganistão, Bielorrússia, Irã e Mongólia; e, ainda, seis “parceiros de diálogo”, a Armênia, o Azerbaijão, o Camboja, o Nepal, o Siri Lanka e a Turquia (membro da OTAN).


Seus oito membros plenos são responsáveis ​​por 60% da massa de terra da Eurásia e de 77% de sua população, ou cerca de 23% da massa de terra do planeta e 45% de sua população.


Estados pertencentes ao Interior Marginal Crescente de Makinder, o que liderada pela China, pode facilitar a unificação de grande parte da Eurásia, e assumir um protagonismo na disputa pela Hegemonia Global.


A OCS é um dos principais parceiros da Associação das Nações do Sudeste Asiático – ASEAN (Tailândia, Filipinas, Malásia, Singapura, Indonésia, Brunei, Vietnã, Mianmar, Laos, Camboja, Papua-Nova Guiné e Timor-Leste), com ambas as organizações estabelecendo uma cooperação para a paz, estabilidade, desenvolvimento e sustentabilidade do continente asiático, e no campo da segurança, economia, finanças, turismo, cultura e proteção ambiental.


A OCS estabeleceu, ainda, relações com as Nações Unidas, onde é um observador na Assembleia Geral, a União Europeia, a Comunidade de Estados Independentes e da Organização para a Cooperação Islâmica.


Fica demonstrada a amplitude de relações estabelecida com um tripé econômico, geopolítico e de segurança


2.3. NOVA ROTA DA SEDA


 

Uma série de investimentos, particularmente nas áreas de transporte e infraestrutura, terrestres, conectando a Europa, o Oriente Médio, a Asia e a África e marítimos (Rota), passando pelo Pacífico, cruzando o Índico e alcançando o Mediterrâneo.


Um projeto econômico arriscado, árduo, longo plausível de insucesso. A via terrestre comunicará a China com a Europa através da Ásia continental. A via marítima (o Cinturão) começa no sudeste da Ásia para chegar à África Oriental e ao Magrebe[7].


Busca atrair países da Europa como a Alemanha, do Sul da Ásia[8], da Ásia Setentrional[9] (Exemplos marcantes Japão e Coréia do Sul).


Procura, também diminuir sua dependência do uso das Rotas de Comércio Marítimo na Região Indo Pacífico controlada pelos Estados Unidos.


Substituindo as ferrovias transcontinentais de Makinder, a infraestrutura construída estará, no futuro próximo, modificando as condições de relação do Poder Terrestre com o Poder Marítimo[10] na Eurásia, no Chifre da África, e no Magrebe.


2.4. COLAR DE PÉROLAS


“Aquele que controla o Oceano Índico domina a Ásia. Este oceano é a chave para os sete mares. No século XXI, o destino do mundo será decidido em suas águas”. Alfred Mahan (geoestrategista norte-americano, grande influenciador da importância do poderio naval).


O conceito de “colar de pérolas” é visto de forma geral como uma iniciativa política e militar que objetiva proporcionar à marinha chinesa fácil acesso a diversos portos estrategicamente distribuídos ao longo das principais rotas petrolíferas desde o Mar da Arábia até o Mar do Sul da China.


Isto é, uma sucessão de bases aéreas e navais, portos comerciais e centros de inteligência estrategicamente posicionados pela China para formar um “cordão”, de modo a encurralar a Índia e quatro importantes penínsulas: a Indochina, a Indostânica, a Arábica e o Chifre da África, e a vigiar Pontos de Controle Estratégicos na Região Indo Pacífica (dois terços do comércio mundial passam pelo Indo-Pacífico).


Tem por finalidade aumentar a segurança das Linhas Marítimas de Comercio, incrementar o acesso a portos   e   aeroportos, desenvolver relações diplomáticas especiais, e modernizar as forças militares que se estendem desde o Mar do Sul da China, através do estreito da Málaca e do Oceano Índico, em direção ao Oriente Médio e o Chifre da África, e se proteger da intervenção do Poder Naval da Potência Hegemônica.


“É evidente que há uma demanda crescente por energia para manter o ritmo de crescimento chinês. 70% das necessidades energéticas da China são atualmente supridas por carvão, 25% providas por petróleo, 3% por gás natural, e os últimos 2% por outras fontes de energia, incluindo nuclear e hidrelétrica. No entanto, cerca de 40% de toda a nova demanda mundial por petróleo é atribuída às crescentes necessidades energéticas chinesas.


É interessante notar que o Colar de Pérolas está sendo implementado na medida em que o petróleo estrangeiro se torna um centro de gravidade crítico para as necessidades de energia da China. Ou seja, uma boa hipótese que justificaria a adoção de uma estratégia geopolítica de “cerco” e “estrangulamento” pode ser a necessidade cada vez maior pelo controle do petróleo e de suas rotas, devido a sua importância para o crescimento chinês.”[11]


Mapa esboçando o “Colar de Pérolas”, constituído por bases navais e portos na região onde a Marinha Chinesa tem instalações (pérolas do colar)

(Estratégia do colar de pérolas – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)


2.5. DOMÍNIO DO MAR DO SUL DA CHINA


O importante crescimento econômico verificado nos últimos vinte e três anos, tem possibilitado à China promover a modernização de suas Forças Armadas e o aumento de sua capacidade bélica, daí o surgimento de novas,  poderosas e bem equipadas Forças Terrestre, Naval e Aérea.


O Mar do Sul da China tem valor geoestratégica que ultrapassa o âmbito regional, e faz parte desta nova realidade do Século XXI que apresenta a China como novo ator na disputa de Poder com a Potência Hegemônica, e na manutenção do equilíbrio regional.


No ponto de vista estratégico para a China, esta parte do Oceano Pacífico, cresce de importância tanto pela sua posição geográfica que facilita a defesa e proteção do Território Nacional, quanto pela riqueza em hidrocarbonetos (o crescimento econômico asiático demanda de forma proporcional um aumento no consumo, produção e exploração energética) e pesqueira (10% da produção global de pescado e trabalho para 400.000 chineses), que favorece muito o crescimento econômico. Permite também eventual emprego de capacidades de antiacesso[12] e negação de área.


As pretensões chinesas em relação ao Mar do Sul da China têm chamado a atenção dos EUA [13] e seus aliados na zona do Pacífico. O estabelecimento de robustas bases militares em recifes artificiais na área delimitada pelas “Linha dos Nove Traços” tem o potencial de assegurar-lhe o controle militar da região, impedindo o acesso de forças norte-americanas àquele eventual teatro de guerra. Tradicionalmente, o Exército Popular de Libertação (PLA) da China adotava a doutrina da “Guerra Popular”, com ênfase na vantagem numérica de forças convencionais para derrotar os oponentes que gozam de superioridade tecnológica, hoje vemos Forças Armadas equiparadas às das principais potências.


3.CONCLUSÃO


A China é Estado considerado com potencial para alcançar a condição de superpotência longo da primeira metade do século XXI, possui a terceira maior extensão territorial, a maior população e o segundo maior PIB do planeta. É uma das nações que têm assento permanente no CS/ONU[14] e está desenvolvendo Forças Armadas bem equipadas e com material de tecnologia de ponta.


A China para ter condições de realmente disputar a Hegemonia Mundial precisa ser um Estado com poder para influir decisivamente em eventos de escala mundial, detentor de grande força econômica, possuir capacidade de projetar poder ao redor do mundo e de exercer forte influência cultural (soft power).


A China para buscar a Hegemonia Mundial necessita no Poder Militar: Arsenal militar moderno e tecnologicamente avançado, Poder Terrestre, Naval, Aéreo e Capacidade Nuclear equiparados a Potência Hegemônica, e capacidade de desenvolver tecnologias militares e espacial de primeira linha.



[1] Carlos Alberto Pinto Silva / General de Exército da reserva / Ex-comandante do Comando Militar do Oeste, do Comando Militar do Sul, do Comando de Operações Terrestres, Ex-comandante do 2º BIS e da 17ª Bda Inf Sl, Chefe do EM do CMA, Membro da Academia de Defesa e do CEBRES

[2] https://www.defesanet.com.br/china/noticia/39255/China-deve-ultrapassar-EUA-como-maior-economia-global-em-2028/ – 08 de janeiro, 2021.

[3] No cenário do Excepcionalismo Americano observa-se, desde 1980, conflitos no Oriente Médio envolvendo os Estados Unidos, sem alcançar uma paz duradoura até nossos dias.

[4] “Isso é muito importante para a competição agora”, diz Bonnie Glaser, “porque se a China tivesse sucesso nessas áreas, provavelmente suplantaria os Estados Unidos como a principal potência do mundo”.

[5] O termo permanente no conceito diz respeito, na verdade, à condição pelo Estado de que qualquer ação de política externa, em defesa de interesses nacionais, é um “conflito na zona cinza”

[6] A China tem sido muito clara em suas ambições de liderar o mundo nas importantes tecnologias do futuro, como robótica e Inteligência Artificial (IA). “Isso é muito importante para a competição agora”, diz Bonnie Glaser, “porque se a China tivesse sucesso nessas áreas, provavelmente suplantaria os Estados Unidos como a principal potência do mundo”.

[7] Em árabe o Poente ou o Oeste, representa o extremo ocidental do mundo árabe, as modernas nações islâmicas de Argélia, Marrocos, Tunísia, e, em algumas ocasiões, da Líbia.

[8] O Sul da Ásia é um dos maiores e mais populosos subcontinentes do planeta. Abrange o território oficial de mais de cinco milhões de km², uma vez que compreende Afeganistão, Bangladesh, Butão, Índia, Maldivas, Nepal, Paquistão e Sri Lanca, num total de oito países.

[9] Ásia Setentrional: Rússia e Sibéria. Extremo Oriente: China, Japão, Coreia do Sul, Coreia do Norte, Taiwan, Mongólia. Sudeste Asiático: Brunei, Camboja, Filipinas, Indonésia, Laos, Malásia, Mianmar, Singapura, Tailândia, Timor-Leste e Vietnã.

[10] Poder Marítimo, na concepção do Almirante Flores (1972), se constitui na integração dos meios relacionados com o mar, para fazer uso deste visando o progresso, desenvolvimento e segurança de um país e abrange todos os recursos: sua parcela do Poder Militar no mar através da Marinha de Guerra, a Marinha Mercante, as …

[11] https://pucminasconjuntura.wordpress.com/2018/09/12/o-colar-de-perolas-como-uma-estrategia-geopolitica/

[12] Antiacesso (A2): ações de longa distância visando impedir as forças inimigas de entrarem no campo operacional. Tem como alvo principal forças que se aproximam pelo ar ou pelo mar predominantemente.

[13] . A velocidade com que a China construiu e depois militarizou uma série de ilhas artificiais no Mar da China Meridional, desafiando o direito internacional, tem alarmado muitas pessoas em Washington.

[14] Os assentos permanentes do CS/ONU representam um dos principais critérios para classificar as nações como detentoras do status de grande potência contemporânea.


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