Luciano de Samósata, escritor, filósofo e sofista, nascido em Somósata, província romana da Síria, por volta de 125 d.C. e falecido, aproximadamente, em 181 d.C., é considerado como um dos gênios satíricos e irônicos da Literatura Universal. Suas obras mais conhecidas começaram a partir de 160 d.C., no império de Marco Aurélio (o imperador filósofo) e influenciaram diversos escritores e filósofos posteriores, como Morus, Voltaire e Rabelais.
Na obra Icaro Menippo, Luciano conta que Menippo de Gadara, (personagem real e filósofo cínico, do século III), mencionado com frequência em suas sátiras contra a religião, consegue voar com asas de águia e de abutre do Monte Olimpo até a Lua, habitada por espíritos.
O objetivo desta viagem era de natureza científico-filosófica; pois, ao observar os astros e os fenômenos atmosféricos, Menippo pensa em penetrar naqueles mistérios. Tendo buscado informar-se antes com os mais famosos filósofos (sábios da antiguidade amantes do conhecimento, em uma época em que a maior parte das ciências ainda era desconhecida), desiludiu-se com a diversidade de teorias a respeito do assunto, ficando desacreditado daqueles falsos sábios.
Entendeu, portanto, que para conhecer aquilo que buscava o melhor era subir aos céus e ver com os seus próprios olhos. Chegando à Lua, está o encarregou de levar uma petição à Zeus (Júpiter), criticando as teorias absurdas que os filósofos terrestres divulgavam ao seu respeito. Menippo, de volta ao Olimpo, levou a petição da Lua à Zeus.
Este, em uma Assembleia dos Deuses, a fim de tratar deste assunto pronunciou aos seus pares um discurso sobre os filósofos terrestres, resumidamente, com o seguinte teor:
“Há tempos eu queria lhes falar a respeito dos filósofos. Não há muito que eles apareceram neste planeta. É uma raça preguiçosa, trapaceira, vaidosa, orgulhosa e má; um fardo inútil para a Terra. Dividem-se em seitas e inventaram diversos arrazoados intrincados: uns chamam-se estoicos, outros acadêmicos, outros epicuristas, outros, ainda, peripatéticos. Contam dos Deuses as coisas mais absurdas e, dirigindo-se às criancinhas fáceis de enganar, usam tragicamente desta virtude declamatória e lhes ensinam a duvidar. Gabam, sem cessar, a seus discípulos, a força da alma e a temperança; condenam a riqueza e a voluptuosidade, mas que se dirá de suas festas quando se acham a sós, da sua luxúria, da sua avareza? O pior é que não se dando a trabalho algum, quer público ou privado, não prestando para nada em tempo de paz nem em tempo de guerra, nem por isso acusam menos os outros com frases extravagantes, palavras grosseiras, repreendem, censuram o próximo; e aquele que sabe gritar mais alto, difamar com mais temeridade e desfaçatez, merece entre eles o primeiro lugar. Porém, se perguntares a qualquer um deles: Que fazes de útil para a vida humana? Ele responderá, para ser sincero: – Navegar, cultivar a terra, pegar em armas, exercer qualquer profissão, parece-me coisa vã. Eu tomo banho de água fria, ando descalço no inverno, uso barba grande e calunio as ações alheias. Eu fico raivoso quando algum rico dá banquetes ou mantém uma amante; mas não me incomodo quando alguns dos meus amigos estão doentes ou precisam do meu auxílio”. “Eis aqui, ó Deuses, o que são aqueles animais. Os de entre eles que se chamam epicuristas, excedem os outros em impertinência ao ultrajar-nos desmedidamente, dizendo que nós, os Deuses, não nos ocupamos das coisas humanas, e não damos a menor atenção ao que se passa no mundo. Assim, como podem ver, já é hora de deliberar a respeito deles; porque se conseguirem persuadir a todos os indivíduos com respeito ao que dizem, vocês, os Deuses, morrerão de fome, pois não haverá mais ninguém disposto a venerá-los ou a fazer sacrifícios, desde que deixem de esperar tirar disto proveito”.
Vejam os leitores as sutilezas do sarcasmo e da ironia de Luciano, já naquela época. Voltaire, muitos séculos depois, fez uso do mesmo estilo de Luciano em seus escritos literários. Mas, sarcasmos e ironias a parte, a classe dos filósofos mereceria estudos mais aprofundados de ordem psicológica, antropológica e sociológica, tão contraditórias, muitas vezes, são as teorias que eles desenvolvem daquelas práxis que vivenciam (entendidas estas como o processo pelo qual as teorias são praticadas).
Lembrei-me disto hoje em virtude da proximidade do Carnaval, por haver presenciado, várias vezes ao longo da vida, filósofos caírem no samba tão logo ouviam um surdo, um cavaquinho e um violão. Da mesma forma, alguns deles não podiam contemplar uma tela de TV durante partida de futebol ou perder o capítulo diário de qualquer novela, sem buscar um lugar na sala e se emocionar (por vezes até as lágrimas), junto aos demais espectadores presentes, com os gols da partida ou com os dramas vividos pelos personagens daquele folhetim levado ao ar. Ainda mais, outros filósofos caminhando pelas ruas não pisavam em despachos de macumba e se benziam, sempre, ao passar em frente de igrejas ou de imagens de algum santo.
– “Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa”! – Já dizia o velho Alcebíades, figura de enorme sabedoria popular, tentando abrir os olhos das pessoas à sua volta para que “não comprassem gato por lebre” e que ficassem atentos, porque “seguro morreu de velho” e “desconfiado ainda é vivo”; isto é, para que todos fossem mais cuidadosos em suas escolhas e mais céticos nas ‘verdades’ que ouviam.
Reconheço que aqueles indivíduos pertencentes a esta categoria mencionada, a dos filósofos, são seres humanos como quaisquer outros; mas, também, percebo que, por serem o que são, deveriam possuir, em grau mais elevado que os demais, visão crítica da sociedade, da política, da genealogia da moral, da religião, das ideologias, etc. etc. e etc.
Eles, mais do que ninguém, são amigos do Conhecimento (Filosofia) e da Verdade (Filoalethéia) e, em razão disto, por buscar a estas duas mais avidamente que os demais cidadãos comuns, detêm informações e bagagem cultural acima da média dos seus contemporâneos, acerca destes assuntos mencionados; conhecendo, portanto, os artifícios usados pelos dominadores para manter sob controle e alienação a multidão sempre crescente dos dominados.
O filósofo, por natureza, deve ser desconfiado e contestador das verdades estabelecidas e é assim, dialeticamente, que a Filosofia deve caminhar em busca da compreensão dos fenômenos sociais humanos e dos fenômenos espirituais metafísicos.
O que não deve ocorrer, na minha maneira de ver a questão, é o filósofo (ou alguém que se considere como tal) ensinar uma coisa e fazer outra; isto é, agir como um sacerdote que prega as virtudes e se deixa conduzir pelos vícios em seu dia a dia.
O filósofo deve, portanto, fazer uma opção entre o racionalismo e a emoção; pois, ao ficar com os dois, um deles (ou ambos) será prejudicado; já que, ao juntá-los, eles formarão misturas heterogêneas que não se dissolvem, por possuírem propriedades diferentes em sua extensão, fato este que acabará, inexoravelmente, por prejudicar os julgamentos e as análises do filósofo.
Isto me faz lembrar o ‘Samba do Crioulo Doido’, em uma analogia ao presente texto. O citado samba consistiu em uma música composta pelo jornalista e escritor Sérgio Porto, sob o pseudônimo de Stanislau Ponte Preta, na qual o autor procurava ironizar a obrigatoriedade imposta às Escolas de Samba cariocas de retratarem, nos seus sambas enredos, fatos históricos brasileiros. Como os compositores pouco conheciam da História do Brasil, surgiam, por vezes, textos mirabolantes e sem nexo.
Da mesma forma, penso eu, os filósofos que assistem às novelas na TV, torcem por times de futebol, benzem-se diante de fachadas de quaisquer igrejas e de imagens de santos, não pisam em despachos de macumba e, principalmente, acreditam naquilo que dizem os nossos políticos e que profetizam sobre o nosso futuro, segundo o meu modo de ver, fariam parte de uma categoria toda especial de filósofos; isto é, daqueles que deveriam ser protagonistas de uma música satírica que o finado Stanislau Ponte Preta com toda a sua genialidade poderia, também, ter escrito; ou seja, o “Samba do Filósofo Doido”.