█ O hábito, realmente, faz o monge?


O título deste texto faz lembrar antigo ditado popular, que nos ensina a não julgar as pessoas pelas suas aparências; posto que, hábito aqui possui o sentido de traje usado por membro de comunidade religiosa. Da mesma forma, quantas vezes não ouvimos alguém dizer (ou, nós mesmos, já dissemos isto em determinada ocasião) haver lido um excelente livro cuja capa, simples, não indicava nenhum atrativo maior?


O fato é que, inegavelmente, existe um valor simbólico nas aparências e nas roupas usadas pelas pessoas, que afeta os nossos processos cognitivos.


Os seres humanos evoluíram da situação de andar completamente nus, até chegar a vestir belas e ricas vestimentas; não só em razão da necessidade de proteger seus corpos contra as intempéries; como, também, em virtude do aumento da riqueza individual e grupal motivada pelo progresso; por força da descoberta de novos materiais; da invenção de novas tecnologias; etc.; mas, e principalmente, por razões de ordem psicológica e simbólica, relacionadas a preservação da hierarquia dos indivíduos e de seus status sociais.


Assim é que, ao longo da história humana, determinados sexos, raças, castas, profissões, etc., foram fazendo uso de diferentes vestimentas e adornos que, embora inicialmente visassem, principalmente, protege-los das condições climáticas, ao mesmo tempo os identificavam e os diferenciavam dos demais, mediante um simples olhar por parte daqueles que com eles cruzavam pelos caminhos e edifícios das aldeias, povoações, vilas, burgos, cidades e metrópoles. Determinadas cores e adornos, também, eram típicos de certas castas, de determinados sexos, de raças específicas, de distintas religiões, etc.


As vestimentas, evidentemente, possuíam múltiplas funções além da proteção física; algumas destas funções eram mais importantes que as outras. Basicamente, serviam para diferenciar os indivíduos dedicados ao mando daqueles dedicados à obediência. Distinguiam os envolvidos com as guerras daqueles outros envolvidos com as religiões e com as coisas espirituais. Evidenciavam os que trabalhavam daqueles que nada faziam e viviam do trabalho alheio.


 Como funções secundárias das vestes, destacam-se, por exemplo:  esconder a forma do corpo dos olhares alheios – as roupas largas dos religiosos tinham por objetivo, também, o de esconder as formas do corpo, não despertando desejos sexuais naqueles que os viam; as roupas usadas (ao estilo bata, burca, túnica, abaia ou hijab), ademais de protegerem o corpo, ocultavam as suas formas, diminuindo ou extinguindo o desejo sexual entre aqueles homens e mulheres que conviviam diariamente em mosteiros, conventos, igrejas, etc.


Determinadas roupas e pinturas corporais, como aquelas dos guerreiros, objetivavam facilitar os seus movimentos, incutir medo nos inimigos e protegê-los de eventuais ferimentos durante os frequentes combates.


As capas pretas e as perucas dos magistrados buscavam descaracterizá-los perante os réus e seus familiares, com vistas a evitar futuras vinganças pelas penas, muitas vezes excessivas e duras, impostas em suas sentenças. A capa servia para disfarçar as formas do corpo (magras ou gordas) e as perucas para esconder os verdadeiros cabelos (cor, tipo e tamanho). Alguns magistrados, ainda, pintavam os rostos, visando tornarem-se irreconhecíveis e usavam apelidos ao invés dos verdadeiros nomes.


 Em determinadas épocas e culturas, o uso de algumas cores nas vestes era privativo da família real. De um modo geral, a nobreza usava vermelho ou bordô; religiosos usavam preto; camponeses usavam marrom e cinza; enquanto mercadores e banqueiros usavam verde. Na Roma antiga, o roxo era reservado para imperadores e magistrados.


Ademais, como forma de diferenciação entre os sexos, os homens usavam barbas e bigodes e as mulheres os cabelos compridos. Mulheres casadas usavam os cabelos presos e as solteiras soltos.


 No que respeita às formas de tratamento, estas eram também diferenciadas de acordo com o título de nobreza possuído, a importância atribuída ao cargo ou a função desempenhada; bem como, ao grau de conhecimento científico ou filosófico adquirido e a idade alcançada.


 Vê-se, portanto, que a vida humana, desde há muito, é regida pelos simbolismos e pelo que, de fato, estes representam no psiquismo das pessoas.


 É comum, na atualidade, observar-se indivíduos que, não se tendo destacado dos demais por nenhuma de suas boas qualidades, são, todavia, tratados por excelências, magnificências, sapientíssimos, reverendíssimos, santidades, etc.; pelo simples fato de ocuparem determinadas funções para as quais foram galgados não pelos seus próprios méritos, mas, por simples fatores conjunturais, por sinecuras ou por nepotismos.


 Nos dias atuais, quanto mais pomposo o título de algum ocupante de cargo público, nos três poderes da república, maiores costumam ser as ritualísticas e as liturgias que o envolvem, constituídos pelos tratamentos honoríficos, pelos rapapés, pelas homenagens e pelas mordomias relativas ao cargo.


 Verdadeiros analfabetos funcionais enfrentam-se, por vezes, nos parlamentos, nos tribunais, nas comissões, nas reuniões, onde ofendem-se uns aos outros nominando-se mutuamente por Vossa Excelência. Verdadeiras sandices, canalhices, ignorâncias, mentiras, são proferidas com ares doutorais, como se pontificassem verdades ou os mais recentes conhecimentos de ordem jurídica, científica e filosófica.


 Isto tudo, meus caros leitores, só tem valor porque nós lhe atribuímos valor; porque aceitamos as regras do jogo ao decidirmos participar do chamado contrato social, descrito pela primeira vez, em 1762, por Jean-Jacques Rousseau. Ao trocarmos uma suposta insegurança da vida livre, sem fronteiras, pela suposta segurança das fronteiras de um país como o nosso, recebemos, junto ao conjunto de leis que corresponde ao ordenamento jurídico (que devemos respeitar) e aos boletos referentes ao pagamento de impostos e taxas (que devemos pagar), inúmeras autoridades às quais estaremos submetidos e que não chegaram aonde estão pelas suas reconhecidas inteligências, honestidades, coragens e patriotismos.


 Infelizmente, já tendo o nosso planeta sido inteiramente colonizado, não nos resta nenhum canto isolado onde possamos nos ver inteiramente livres da influência de algum governante e de seu séquito de prepostos. Aonde quer que estejamos, sob a face do planeta, estaremos, sempre, sob o foro de algum contrato social que irá nos oprimir de forma mais ou menos intensa, dependendo dos condicionantes históricos e culturais do povo habitante daquelas terras, que acabaram se unindo e formando um país.


 Em um país como o nosso, por exemplo, onde a ideologia marxista a serviço de uma cleptocracia dominante comandou as instituições públicas nas duas últimas décadas, vimo-nos, em inúmeras ocasiões, diante do fato inusitado de observarmos os políticos representarem a si mesmos e aos interesses das suas ideologias internacionalistas e não à vontade daqueles cidadãos brasileiros que os elegeram. As manifestações populares de insatisfação, com relação às leis elaboradas no parlamento e às suas interpretações pelos magistrados (ambas beneficiando, muitas vezes, criminosos já condenados e presos), dirigidas aos nossos políticos e aos nossos juristas, encontram, com frequência, ouvidos moucos e olhos remelentos.


Estas duas classes citadas tratam o povo brasileiro como se fossem os seus patrões e não os seus empregados; justamente o contrário do que deveria ocorrer nos regimes democráticos. O que aqui vigora é mais condizente com o que se passa naqueles regimes ditatoriais em que o parlamento e o judiciário mantêm submisso o executivo, governando eles próprios mediante o que é conhecido como ‘Democracia de Fachada’. Quando esta rui ou se torna impossível sustentar, fica evidente a vigência de uma ditadura comandada pelo Judiciário e pelo Legislativo, como ocorre atualmente em alguns lugares no continente.


Em países onde os crimes das classes dominantes raramente são punidos; onde as oligarquias exercem extrema influência ou, mesmo, comandam as expressões do poder nacional; onde os próprios poderes da república fixam seus efetivos, os seus salários e os benefícios de seus integrantes; onde as eleições nem sempre são feitas com lisura e transparência; onde os ministros da mais alta corte são indicados e nomeados sem concurso, por presidentes da república que, por vezes, acabam réus em crimes de prevaricação e de desvio de dinheiro público, sendo julgados, sem a alegação de impedimentos, por aqueles próprios ministros a quem nomeou; onde se vendem leis e sentenças, realmente, nestes países o hábito faz o monge.


 Na atualidade, nestes países, não só o hábito faz o monge; mas, além disto, uma série de indivíduos, usando hábitos, se fazem passar por monges que irão libertar os oprimidos que ali existem, coisa que, evidentemente, não passa de simples retórica visando cooptá-los para abraçar uma ideologia internacionalista que, vivendo da opressão, jamais conseguiu conviver bem com a religião e com os monges.

_*/ Economista e doutor pela Universidade de Madrid, Espanha. Membro doa Academia Brasileira de DefesaABD – e do Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos – CEBRES.