Carlos Alberto Pinto Silva [1]
“Os generais Eduardo Villas-Boas e Alberto Cardoso afirmaram, que o Estado brasileiro está sendo alvo de um ataque indireto de nações estrangeiras que, na sua opinião, utilizam o discurso pela defesa da preservação da Amazônia em favor de seus interesses pelas riquezas do país”
1. CIRCUNSTÂNCIAS DE UM MOMENTO
As ameaças globais, na atual conjuntura, estão se alterando celeremente: guerra cibernética; guerra da informação; guerra psicológica e operações clandestinas; influência e interferência em eleições; armas de destruição em massa e sua proliferação; terrorismo, contra inteligência e tecnologias destrutivas; ameaças à competitividade econômica; e crimes transnacionais são apenas alguns dos recursos largamente empregados, de modo conjugado, como alternativas não militares, visando a complementar, apoiar, ampliar e, sobretudo, a evitar uma confrontação formal, e desgastar as forças políticas, econômicas, sociais, informação militar e a infraestrutura de comando e controle de forças opositoras.
A Guerra de Nova Geração, que o mundo vive hoje, é caracterizada pela presença de Estados e grupos não estatais, pelo aumento considerável do poder de entidades pequenas, mas marcadas pela lealdade cega à sua causa, que extrapolam qualquer fronteira internacional e desafiam o poder das grandes nações. É calcada primordialmente na explosão tecnológica da era da informação, nos meios de comunicação em massa para o recrutamento de pessoal e disseminação de ideologias e na biotecnologia [2]. Guerra que muitos chamam de Quinta Geração. [3]
Partimos do conceito de que guerra e paz, na atual conjuntura, são parte do mesmo fluxo das relações internacionais.
O mundo, atualmente, está em um estado de luta incessante, a paz é relativa, não há inimigos e sim estados com ações hostis em defesa dos seus interesses.
O mundo vive, portanto, com a Guerra de Nova Geração, uma fase de guerra política permanente: sem frente de batalha e sem regras de engajamento. Apaga-se a linha divisória entre o estado de guerra e de paz. Emprega um conjunto de habilidades estratégicas (Ferramentas à disposição do Poder Nacional) para anular as vantagens do inimigo num conflito armado (Assimetria).
Em 2016, agentes de inteligência da China conseguiram capturar instrumentos de espionagem da NSA e os reposicionaram para atacar aliados dos EUA e empresas privadas da Europa e da Ásia.
2. A GUERRA DE NOVA GERAÇÃO SEGUNDO O GEN VALERY GERASIMOV, CHEFE DO ESTADO-MAIOR GERAL DAS FORÇAS ARMADAS DA FEDERAÇÃO RUSSA.
Segundo ele a Guerra de Nova Geração é “um conflito de espectro ampliado em direção a um importante emprego de medidas de caráter político, econômico, informacional, humanitário e outras tipicamente não-militares… Aplicadas em coordenação com o potencial dos protestos da população alvo.”
É um novo campo de batalha, de modo que é preciso afastar o foco do conflito do domínio da arte da guerra convencional, e isso pode ser feito ampliando o espectro do conflito, para incluir vários elementos do poder nacional.
Significa que todos os meios estarão em prontidão, que a todos a informação estará onipresente e o campo de batalha será em todo o lugar. Significa que todas as armas e tecnologia serão superpostas, as fronteiras entre os dois mundos, guerra e não guerra, de militar e não militar, serão totalmente eliminadas.
3. CONSIDERAÇÕES SOBRE A “GUERRA DE NOVA GERAÇÃO”: HÍBRIDA E / OU IRRESTRITA.
– Híbrida: Uma guerra política: [4], informacional, de atividades híbridas e secretas pelo maior tempo possível. É a nova estratégia da Rússia para perseguir seus objetivos.
– Irrestrita: É a estratégia chinesa para enfrentar países possuidores grande superioridade militar e alta tecnologia. O terrorismo, hackers, sabotagem econômica, instrumentos financeiros, assassinato de cidadãos, usar a mídia e conduzir guerra urbana estão entre os métodos propostos.
– Conflito na Zona Cinza: [5] De acordo com Hal Brands “é uma atividade coercitiva e agressiva por natureza, mas deliberadamente concebida para permanecer abaixo dos limites de um conflito militar convencional”. Ou seja, “a Zona Cinza se caracteriza por uma intensa competição política, econômica, informacional e militar, mais acirrada que a diplomacia tradicional, porém inferior à guerra convencional”.
Na guerra fria a violência situava-se nos conflitos por procuração. No pós-guerra fria a violência encontra-se na Guerra de Nova Geração (Guerra da Síria e do Iêmen).
A ideia é implodir um estado via convulsão social [6] e a ampliação do espectro do conflito, para incluir várias ferramentas do poder nacional.
As rígidas regras de guerra mudaram… (assim) o foco dos métodos dos confrontos, “para um conflito de espectro ampliado em direção a um importante emprego de medidas de caráter Político, Econômico, Informacional, Humanitário e outras tipicamente não militares … aplicadas em coordenação com o potencial dos protestos da população alvo”.
Assim Sendo, a conduta dos Estados com poder de combate e capacidade tecnológica inferior devem se subordinar, claramente, a três premissas:
– um embate direto contra as forças armadas de alto poder de combate e alta capacidade tecnológica seria extremamente desvantajoso e arriscado e, portanto, deve ser evitado;
– outros meios, que não as alternativas militares tradicionais, devem ser empregados na consecução dos objetivos nacionais, e,
– dispor de poderio bélico convencional que, embora não seja suficiente para lhes assegurar uma vitória militar definitiva sobre o opositor, permita-lhes manter a estabilidade estratégica [7].
Dessa Forma, as opções políticas e estratégicas de Países em desenvolvimento, com Forças Armadas poder de combate e capacidade tecnológica assimétricos em relação ao oponente devem se desenvolver, em linhas gerais, de acordo com a seguinte sequência lógica:
– emprego “agressivo” de meios não militares, apoiados por alternativas militares de efeito não cinético (não letais), sobretudo operações de informação e guerra cibernética;
– emprego de meios militares para alcançar objetivos estratégicos, sem, contudo, provocar uma forte reação militar do opositor (Estabilidade de Crise)[8], e;
– Eventual emprego de capacidades de antiacesso e negação de área.
4. ASPECTOS MARCANTES SOBRE A GUERRA DE NOVA GERAÇÃO
– Suas operações de apoio são impulsionadas pela noção de obter vantagens assimétricas para permitir a consecução de objetivos políticos.
– Entender e empregar os princípios das assimetrias reversa e estratégica corretamente permite explorar os pontos fracos do inimigo, e empregar um conjunto de habilidades (estratégicas) para anular as vantagens do inimigo num conflito armado.
– O conceito clássico de Guerra Assimétrica pode ser sintetizado como “todo e qualquer tipo de conflito bélico em que, pelo menos em algum momento, a superioridade militar e, particularmente, tecnológica de um dos contendores resta evidente no campo de batalha”.
– Guerra Assimétrica Reversa é “todo e qualquer tipo de conflito bélico em que, pelo menos em algum momento, existe a efetiva limitação ou, em termos mais precisos, autolimitação do emprego da evidente superioridade militar e, particularmente, tecnológica no campo de batalha”.
– Assimetria Estratégica: “em questões militares e de segurança nacional, a assimetria estratégica significa agir, organizar e pensar diferentemente do adversário para maximizar os esforços relativos, aproveitando suas fraquezas, e adquirir maior liberdade de ação” (Steven Metz).
– Não há distinção entre o que é o que não é o campo de batalha, uma vez que ele é omnidirecional.
– As ações podem ser diversas. Violentas ou não-violentas.
– Ênfase na sincronia das operações de combate e na Integração e articulação das diversas ferramentas do Poder Nacional.
– Combinação dos níveis de conflito do tático ao estratégico,e vários campos de batalha, simultaneamente.
– Excelência nas atividades de guerra em rede, de inteligência artificial, segurança cibernética, e espionagem eletrônica.
– É preciso a integração das diversas ferramentas do Poder Nacional e dos grupos não estatais em benefício da defesa dos interesses nacionais do país; a articulação de vários campos de ação, elegendo os melhores instrumentos ou medidas, militares ou não, para executar as operações; e a combinação de todos os níveis de conflito do tático ao estratégico, forçando o oponente a confrontar vários campos de batalha, simultaneamente.
– O centro de gravidade da açãodeve estar voltado a desestabilizar o governante, desacreditar autoridades, e em criar o caos na sociedade, sucedendo-se a crise política.
– Judicioso emprego da força militar. Uma vez que a crise tenha evoluído suficientemente, as forças militares convencionais podem ser empregadas, mas somente o necessário para garantir a autoridade do novo status quo. Ao empregar forças militares deve-se levar em consideração o “Equilíbrio Estratégico” e o “Equilíbrio de Crise”.
– Ações do tipo standoff – fogo indireto e/ou de precisão em profundidade a partir de várias plataformas, para utilizar de capacidades de antiacesso e negação de área. (Uma estratégia com alta tecnologia da guerra assimétrica).
-Eventual emprego de capacidades de antiacesso e negação de área, valendo-se de sofisticados meios aéreos, navais e de defesa antimísseis, apoiados por operações de informação, atividades cibernéticas e de guerra eletrônica, a fim de restringir o ingresso de forças oponentes no teatro de operações.[9]
5. AFINAL, O QUE É A – “GUERRA DE NOVA GERAÇÃO”: HÍBRIDA E/OU IRRESTRITA?
Muito em voga na atualidade, o termo conceitual “Ameaça Híbrida”, esteve restrito aos meios militares até 2014. Após a intervenção da Rússia na Ucrânia, a expressão se popularizou e se modificou para “Guerra Híbrida”, sendo consagrado pela mídia.
A Guerra Híbrida [10] é composta de uma guerra política (“O uso de todos os meios de disponíveis de uma nação para alcançar objetivos nacionais sem entrar em guerra”), informacional e de atividades híbridas, e deve ser secreta pelo maior tempo possível.
Um conflito no qual os atores, estado ou não-estado, exploram vários modosde guerra simultaneamente (guerra financeira, guerra cultural, guerra midiática, guerra tecnológica, guerra psicológica, guerra cibernética, o amplo espectro do conflito, empregando armas convencionais avançadas, táticas irregulares, tecnologias agressivas, terrorismo e criminalidade visando desestabilizar a ordem vigente).
A eficiência devastadora da Guerra Híbrida pode ser constatada no seio da OTAN hoje em dia, mais de cinco anos após a anexação da Criméia, a aliança ainda não desenvolveu uma estratégia coerente para se contrapor às atividades de Guerra Híbrida da Rússia na Ucrânia.
Não obstante o fato de existir um certo número de similitudes entre a filosofia da “Guerra Irrestrita” e a doutrina da “Guerra de Nova Geração” – Guerra Híbrida, é claro que os russos avançaram muito criando o” Campo de Batalha de Campos de Batalha”. Subtraíram as linhas divisórias das operações do Nível Estratégico, Operacional e Tático e mantiveram uma network unificada para conduzir e coordenar vários eventos nos diferentes campos de batalha de modo estrategicamente efetivo. Alguns acreditam a habilidade de combinar o emprego de forças militares com as ferramentas tipicamente de Estado constituiu a maior mudança nas recentes operações russas.
6. BRASIL E A PAZ RELATIVA NA GUERRA POLÍTICA PERMANENTE
Os generais Eduardo Villas-Boas e Alberto Cardoso afirmaram, na noite de 5 de julho de 2019, na apresentação da palestra “Intérpretes do pensamento estratégico militar”, durante evento organizado pelo Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal (IHG-DF), em Brasília, que o Estado brasileiro está sendo alvo de um ataque indireto de nações estrangeiras que, em suas concepções, utilizam o discurso pela defesa da preservação da Amazônia em favor de seus interesses pelas riquezas do país [11].
Por sua vez, André Luís Woloszyn, Analista de Assuntos Estratégicos, O Brasil, está sob Ataque da Guerra Psicológica: “Já não bastasse a radicalização política e ideológica, o país vem sofrendo constantes ataques de factoides criados como estratégia para intimidar e causar pânico em segmentos específicos da sociedade, notadamente, parlamentares e autoridades de alto escalão do governo, superdimensionados, pela ampla exposição na mídia nacional” [12].
O que se constata é que a situação vivida, na atual conjuntura brasileira é a de paz relativa (Guerra Política Permanente), não há inimigo e sim estados com ações hostis em defesa dos seus interesses. Está acontecendo um “Conflito na Zona Cinza”, caracterizado por uma intensa competição política, econômica, informacional, mais acirrada que a diplomacia tradicional, porém inferior à guerra convencional realizada por Estados que tiveram seus interesses desafiados pelo Brasil.
Nesse entendimento basta observar:
– a “Identidade do Governo Bolsonaro” que é marcada, na visão da esquerda, e com intuito de dar força a Guerra Política que visa desestabilizar o governo, e difundida no Brasil e no exterior, com as pechas de Presidente fascista; radical de direita; perseguidor de minorias; homofóbico; crítico a política de Direitos Humanos; antiglobalização; contra a política de proteção ao Meio Ambiente; e despreparado para governar;
-uma campanha midiática, planificada e constante no campo externo e interno visando desacreditar, desmoralizar, as autoridades, os políticos ligados da situação e ao próprio Presidente da República, com a intenção de desestabilizar o governo;
– os constantes ataques de autoridades da Venezuela e de Cuba a política de governo brasileira;
– manifestações do Presidente da França e da Chefe de Governo da Alemanha com relação a decisões políticas internas do governo Bolsonaro, usando como justificativa para ações de defesa de interesses políticos e econômicos de seus Estados a retórica da problemática ambiental;
– invasão por manifestantes da embaixada brasileira em Berlim e Londres e vandalismo em suas instalações;
– uso das redes sociais para denegrir o país na área internamente e no exterior;
– denúncias nos órgãos multilaterais (ONU, OEA) denegrindo autoridades, propostas do novo governo, e as atividades do Poder Judiciário;
– decisão hostil da retirada abrupta dos médicos cubanos pelas autoridades de Havana, com a intenção de auxiliar a uma oposição radical na luta para desestabilizar o novo governo;
– ativismo de minorias (Quilombola, Indígenas, MST, o MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem Teto e LGBT);
– articulação na política internacional, como a retomada de uma rotina de viagens internacionais de políticos e artistas para detonar o Brasil no exterior;
– ação do crime organizado no Ceará com objetivo político;
– possibilidade de ações de agroterrorismo, e,
– probabilidade de atentado contra o presidente em exercício.
7. CONCLUSÃO
O que vinha se apresentando em termos políticos no Brasil até as eleições, no período de transição, e agora após a posse, faz parte de uma estratégia para desestabilizar o governo, pensada e planejada pela esquerda derrotada no pleito eleitoral, e aliados socialistas, com seus representantes midiáticos no plano interno e externo, tudo pensado dentro o que ensinam as ideias da Guerra de Nova Geração na fase da Guerra Política [13].
As guerras de Nova Geração não podem ser entendidas e explicadas à luz dos pensamentos político e militar ortodoxos. As guerras do passado, azuis contra vermelhos, não são outra coisa que passado!
É inadmissível nos conflitos modernos e, também, nas lutas políticas pelo poder, uma postura menosprezadora em relação à novas ideias, e, ainda, aos líderes ter atitude de descrédito com as novas formas de guerra, e com a nova via violenta para a tomada do poder.
[1]Carlos Alberto Pinto Silva / General de Exército da reserva / Ex-comandante do Comando Militar do Oeste, do Comando Militar do Sul, do Comando de Operações Terrestres, Membro da Academia de Defesa e do CEBRES.
[2]http://jornalri.com.br/artigos/evolucao-da-arte-da-guerra-das-geracoes-da-guerra-moderna-aos-conflitos-assimetricos-6
[3] “Em 1989, William S. Lind desenvolveu o conceito da Guerra de Quarta Geração, o qual não despertou atenção senão após o 11 de Setembro. A 4WG foi concebida como uma forma de conflito complexa, de longo prazo, que inclui, além das operações convencionais, ações de guerrilha, adversários não estatais, e guerra psicológica. A 4WG derrotou os EUA no Vietnam, no Líbano e na Somália; a França na Indochina; e a União Soviética no Afeganistão. Segundo Lind, ela sucedia a Guerra de 3ª Geração, evidenciada pela Blitzkrieg. A Guerra de 1ª Geração foi caracterizada como a guerra de “linha e coluna”, das batalhas formais e campos de batalha ordenados dos séculos XVI a XIX, e a Guerra de 2ª Geração marcada pelas batalhas da 1ª Guerra Mundial, onde a “artilharia conquistava” e a “infantaria ocupava”.
[4]“Guerra Política”, foi conceituada por George Kennan como “o uso de todos os meios de disponíveis de uma nação para alcançar objetivos nacionais sem entrar em guerra (aquém da guerra)
[5]“Guerra Política”.
[6] Realizando o aproveitamento do potencial de protesto da oposição ao governo.
[7] Estabilidade Estratégica: É o equilíbrio alcançado entre nações na medida em que cada lado evite realizar gastos em armamento tal que possa causar apreensão no lado oposto e uma consequente e preventiva ação armada.
[8] Estabilidade de Crise: É o reconhecimento pelas nações que nenhuma delas pode tirar vantagem substancial sobre outra numa ação armada limitada.
[9]A Rússia alterou o equilíbrio de segurança no Mar Negro, Mediterrâneo Oriental e Oriente Médio através da criação de grandes zonas de exclusão antiacesso / negação de área. A projeção de poder da Rússia nessas regiões foi alargada pela implantação do sistema de defesa aérea S-400 na Criméia em agosto de 2012 e na Síria em novembro de 2015.
[10] Na visão norte-americana, o termo “híbrido” descreve a complexidade crescente dos conflitos, que requer das forças adaptabilidade e resiliência; descreve também a natureza do inimigo a ser enfrentado, não se configurando uma nova forma de guerra. a expressão guerra híbrida não foi incorporada à doutrina do Exército norte-americano; o conceito adotado foi Full Spectrum Operations (2008) (Operação de Amplo Espectro).
[11] Correio Braziliense, edição de 6 de agosto de 2019/ palestra “Intérpretes do pensamento estratégico militar”, durante evento organizado pelo Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal (IHG-DF), em Brasília.
[12]http://www.defesanet.com.br/ghbr/noticia/33757/WOLOSZYN—Brasil-sob-Ataque-da-Guerra-Psicologica/
[13] Paz relativa.