STF: “L’État C’Est à Moi” 1
Já que se relativizaram as imunidades parlamentares, que se relativizem, também, as garantias dos juízes. Que se investiguem os Magistrados e os Parlamentares com o mesmo rigor, a mesma rapidez e a mesma naturalidade com que se investigam o Presidente da República, seus Ministros de Estado e seus simpatizantes.
Começaremos este artigo, por dizer que, normalmente, não usamos na linguagem coloquial e menos, ainda, no que escrevemos, muitas das palavras que o Deputado Daniel Silveira empregou em seu vídeo, mas nossa indignação com o comportamento social e profissional esdrúxulo de muitos dos ministros do Supremo Tribunal Federal não é menor do que a expressada pelo Deputado, que nada mais fez do que dar voz a seus eleitores, ao exercer seu inalienável direito de expressar-se, gostem ou não gostem alguns do conteúdo ou da forma da manifestação.
O texto constitucional não poderia ser mais claro e imune a interpretações fantasiosas, do que consta em seu Art. 53:
Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer2 de suas opiniões, palavras e votos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001) […] § 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001). […]
Apesar disso, ontem, a Câmara dos Deputados preferiu abastardar-se e, em uma sessão patética, optou por sucumbir à pressão do STF e entregar a cabeça do Deputado Daniel Silveira, a cumprir com a sua obrigação Constitucional específica, no caso, de impor limites a uma Suprema Corte fora de controle que, faz tempo, já vem avançando, sem pudor, sobre as competências dos demais poderes.
Disse o Presidente da Câmara, o Deputado Arthur César Pereira de Lira, que o caso do Deputado foi um ponto fora da curva. Não nos parece assim. Vemos toda a situação como insignificante diante do que vêm fazendo os integrantes do STF, sem contestação, por quem deveria, constitucionalmente, fazê-lo. Pontos fora da curva, estas, sim, têm sido as deliberações do Supremo.
Não seria preciso muito esforço para ver-se que havia muito mais em jogo. O simples fato de que o STF; as três grandes empresas jornalísticas, Globo, Band e CNN; e todos os partidos de esquerda, incluído o maldisfarçado PSDB, desejassem que o Plenário coonestasse a prisão inconstitucional do Deputado, já seria suficiente para perceber-se que isso não poderia ser bom para o Brasil.
Também se tem dito que a Câmara preferiu entregar os anéis para preservar os dedos. Em verdade, ela acaba de entregar os dedos, porque os anéis, já os havia tomado o STF há muito tempo.
Não conseguimos ver nenhuma razão lógica e honesta para que o Presidente da Câmara, por quem nutrimos certa simpatia política, tenha abraçado essa opção suicida.
De qualquer forma, não cometeremos a imprudência de julgá-lo por um único fato isolado, ainda que nos tenha parecido extremamente grave.
Ansiamos para que ele volte a demonstrar o equilíbrio e a ponderação de sempre e procure diminuir as consequências dessa ação desastrosa, a fim de que possamos afastar, definitivamente, qualquer suspeita de que tenha havido algum acordo espúrio com o STF, que implicasse a autorização da prisão do deputado em troca de favorecimento de qual-quer natureza, por parte daquela Corte, a outros parlamentares processados. Fora isso, restaria imaginar-se que o Congresso, já sob nova administração, teria optado por continuar a fortalecer o Supremo em sua cruzada antibolsonarista.
Não obstante, houve um aspecto muito positivo nessa sessão do dia 19 de fevereiro, a leitura que a Deputada Magda Mofatto (PL-GO) fez da íntegra do texto do vídeo do Deputado Daniel Silveira. Apesar de ter declarado à CNN que não seria injusta, acabou por sê-lo, ao votar pela manutenção da prisão, contudo, talvez por ter sido coagida a votar dessa forma, leu as palavras do Deputado sob forte emoção, como se concordasse com tudo o que ele dizia, mantendo, assim, ao difundi-la para todo o Brasil, viva a mensagem que o Ministro Alexandre de Moraes, tão zelosamente, supunha ter banido pela censura.
Bem, voltando ao tema central, erraram os ministros do STF, porquanto a Constituição não abriga a possibilidade de um Deputado ou Senador ser imputado, no caso concreto, por quaisquer de suas opiniões ou palavras, e erraram, novamente, com essa extravagante concepção de flagrante continuado, que não resiste a qualquer análise mesmo superficial.
Vejamos: da mesma forma que um vídeo que continua disponível nas redes sociais, mesmo depois de feito, sujeitaria, segundo o Ministro Alexandre de Moraes, o autor à prisão em flagrante, tempos depois de praticado o ato, um livro ou artigo escrito, que, também restasse disponível nas bibliotecas, segundo o mesmo raciocínio, poderia submeter seu autor à prisão em flagrante continuado, a depender do conteúdo da matéria.
Pedimos que o estimado leitor imagine um ministro do STF pouco atualizado, que tomasse conhecimento, agora, de um texto escrito há cinquenta anos, em que o autor tivesse ofendido o seu avô, e que, tomado por justa e divina indignação, diante da imperdoável injúria, mandasse prender, em flagrante, o escritor criminoso. Ah! Mas ele já está morto, faz muito tempo… Bem, nesse caso, não seria difícil para Sua Excelência, fazer uso da sua extraordinária flexibilidade jurídica e criar mais uma relativização inovadora, para reeditar a fábula de Esopo, na tradução latina, Lupus et Agnus, de Fedro, e mandar prender um descendente qualquer de quem cometeu a injúria, afinal, o livro continuava disponível depois da morte de quem a praticou e, assim, o flagrante poderia transferir-se para o sucessor. A Constituição o proíbe? Pouco importa. O STF julga que a constituição é inconstitucional e a Câmara homologará mais “um ponto fora da curva”, o “flagrante transferido”. O emprego desse recurso não tem limite. Todos nós viveremos, eternamente, sob risco de prisão em flagrante por qualquer crime a ser inventado, de acordo com as circunstâncias. Não importa se alegam que que essa gambiarra jurídica só seria usada em casos excepcionais. O que hoje é exceção, amanhã poderá virar regra.
Esse nosso exemplo soaria ridículo, não fossem mais ridículos os pretextos usados por integrantes da Suprema Corte, para justificar as ofensas à Constituição, sempre que a violentam.
Erraram, pela terceira vez, os ministros, porque nenhum dos crimes indevidamente imputados ao Deputado, apesar de suas imunidades, figura, como inafiançável em nossa legislação.
Embora pareçam não pensar assim, Suas Excelências são, também, seres humanos, passíveis de todas as virtudes, mas, também, de todos os vícios que nos possam acometer a todos nós simples mortais.
Quem não deve não tem medo de opinião!
Imagem obtida em Grande Santa Rosa Notícias,
(http://www.grandesantarosanoticias.com/site/index. php?r=noticias/ver&id=53126)
Assim, se, no Brasil, há pessoas que matam, roubam, praticam nepotismo, corrompem ou deixam-se corromper; se há psicopatas; se há juízes que falam fora dos autos e tornam-se suspeitos sem o admitir, jamais, para, depois, julgarem, com a maior sem-cerimônia, causas sobre as quais já anteciparam suas posições; se há juízes que vendem sentenças ou servem-se de suas jurisdições para praticar militância política ou ideológica, tudo isso e muitas outras possibilidades semelhantes podem, em tese, ocorrer, igualmente, entre os ministros da Suprema Corte.
Se eles continuarem inalcançáveis pela lei, eventuais criminosos ou militantes infiltrados na Corte jamais serão identificados e muito menos, expurgados e punidos.
Cabe, aqui, apontar para uma, entre as muitas “fake news” difundidas inclusive pelos ministros do STF. Ninguém quer fechar o Supremo Tribunal Federal nem o Congresso Nacional, com as críticas que se fazem, como afirmam insistentemente. Elas têm endereço certo: os integrantes dessas instituições que não honram seus cargos ou mandatos.
O que esperamos, é que volte a haver Justiça no Brasil e, quando integrantes do Poder Judiciário de todos os níveis forem acusados de crimes, ou de comportamento irregular, em vez de prender-se, liminarmente, em discutibilíssimo flagrante, o autor da denúncia, que se apurem rigorosa e isentamente os fatos e, se falsas as acusações, que o denunciante seja processado e punido na forma da lei, por injúria, calúnia ou difamação, conforme o caso, mas, se comprovadas as denúncias, que o Juiz, o Desembargador ou o Ministro seja, da mesma forma, processado e punido pelos eventuais crimes ou faltas que tenha cometido.
Resumidamente, já que se relativizaram as imunidades parlamentares, que se relativizem, também, as garantias dos juízes. Que se investiguem os Magistrados e os Parlamentares com o mesmo rigor, a mesma rapidez e a mesma naturalidade com que se investigam o Presidente da República, seus Ministros de Estado e seus simpatizantes.
Outra questão, relacionada com a anterior, que precisa ficar bem clara, é que, ao contrário do que dizem os interessados em confundir os brasileiros, quem critica ministros do STF não ofende a Instituição e, mais, ainda, não compromete a democracia.
Os ministros querem respeito? Alguém precisa dizer-lhes que respeito não se compra no supermercado, nem se impõe pela força. Respeito conquista-se com o exemplar exercício da função e com o notório saber e a reputação ilibada, que lhes deveriam ter sido exigidos, mas que os Presidentes que os nomearam parecem tê-lo esquecido, e os Senadores que os sabatinaram, ignorado.
O destempero desesperado do Deputado Daniel Silveira é apenas uma reação a essa absurda hegemonia política absolutista do STF. Ele não representa nenhuma ameaça à democracia brasileira. A maior ameaça que a acomete, nestes tempos, está, justamente, na atual composição dos ministros da Suprema Corte.
Manifestantes protestam em frente à Congregação Israelita Paulista, durante participação do, então, Presidente do STF, Ministro Dias Toffoli, naquela Instituição.
Se o leitor se debruçar, um pouco, sobre o comportamento da grande maioria dos atuais ministros, verá que já vivemos, há algum tempo, sob uma ditadura de fato. Nosso regime de governo transfez-se, aos poucos, de Presidencialista, em uma espécie de undecinvirato ditatorial, ainda não oficializado, mas quase, depois que a Câmara chancelou todas as supremas arbitrariedades, quando parecia que somente estava autorizando, inconstitucionalmente, a prisão de um deputado malvisto por seus pares.
Foto: SUAMY BEYDOUN/AGIF / Estadão
Quando vemos os discursos agressivos, furiosos mesmo, cheios de ódio, de alguns ministros da Suprema Corte, ficamos com a nítida impressão de que estão fora de si, tomados por uma espécie de loucura coletiva e que, talvez lhes servisse melhor uma camisa de força do que a toga.
Mas não somos médico, portanto, isso é tão somente, uma impressão e, jamais, um diagnóstico, mas, quem sabe, o Dr. Humberto de Luna Freire Filho, médico que acompanha a situação política nacional com muita atenção, possa avaliar-lhes a sanidade mental.
Eles transformaram o STF em um superpoder que se apoderou do Estado brasileiro e mantém os demais Poderes como reféns. Talvez a frase “L’État c’est moi”3, atribuída a Louis XIV, Rei de França, que o identificaria com o Estado, não seja, aqui, de todo, adequada. O STF não é o Estado, mas se comporta como se dele fosse o dono.
Assim melhor seria: “L’État c’est à moi” 4.
O tema é inesgotável, mas não é nossa intenção continuar a desenvolver esses aspectos jurídicos e políticos, tendo em vista que o renomado Jurista Ives Gandra da Silva Martins, insigne membro da Academia Brasileira de Defesa, e o digníssimo Presidente do Clube Militar, General Eduardo José Barbosa, já disseram, de maneira simples e direta, tudo que é relevante sobre a matéria 5 e 6, e só não entendeu, ou melhor, fingiu não entender, quem queria ocultar a verdade para impor a versão ideologicamente contaminada dos atuais ministros do STF.
Se fôssemos o Presidente do Senado ou o Presidente da República, sem dúvida, saberíamos o que fazer, mas essa possibilidade tornou-se inviável, quanto nascemos sem a flexibilidade moral compatível com as exigências do exercício das atividades políticas no Brasil. O Presidente Bolsonaro o sabe, perfeitamente bem, mas, infelizmente, parece não poder contar, ainda, com o apoio indispensável para tanto.
Resta-nos, portanto, esperar que o Presidente do Senado Federal, o Senador Rodrigo Otavio Soares Pacheco, não se furte de usar os instrumentos que a Constituição confere àquela Casa Legislativa, para impor os limites indispensáveis, a uma Suprema Corte em que alguns de seus membros agem, às vezes, de maneira insensata e tomam decisões desastradas que podem comprometer, seriamente, o futuro do nosso País.
O autor é Coronel-Aviador, Presidente da Academia Brasileira de Defesa, Presidente do Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos, Membro Titular do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil e Membro Efetivo dos Conselhos Deliberativos do Clube Militar e do Clube de Aeronáutica
1 O Estado é meu.
2 Grifo do autor.
3 Estado sou eu.
4 O Estado é meu.
5 https://revistaoeste.com/politica/caso-daniel-silveira-5-perguntas-para-o-jurista-ives-gandra-martins/
6https://d1a5vuhmdbnak9.cloudfront.net/defesanet/site/upload/media/2083.pdf