█ Rússia e China: As ideias de Mackinder ainda reverberam na atualidade

Pinto Silva Carlos Alberto[1]


1. POSTULADOS DE MACKINDER


Em conferência realizada em 1904, na Real Sociedade Geográfica de Londres, intitulada “O Pivô Geográfico da História”, foram consolidadas por Halford John Mackinder, geopolítico inglês, as ideias fundamentais de sua teoria. Vejamos algumas:


“Analisando a distribuição das terras e mares no mundo, podemos concluir de que a EUROPA e a ÁSIA conformam em realidade uma grande ilha, da qual a primeira é só uma península. Essa grande ilha conta com uma área pivô, entorno da qual se desenrolam os acontecimentos mundiais, cujo eixo principal é a RÚSSIA. O centro dessa área pivô é o coração da terra, o HEARTLAND.”


“Por sua vez, ao redor da área pivô existe um cinturão de regiões marginais dispostos em um amplo crescente, acessível ao Poder Marítimo, mas que domina o interior marginal crescente, e abarca a ALEMANHA, AUSTRIA TURQUIA, INDIA e CHINA.”


“As terras exteriores do crescente insular, que compreende ESTADOS UNIDOS, CANADA, GRÃ-BRETANHA, ÁFRICA DO SUL, AUSTRÁLIA, E JAPÃO, que ao dizer de MAKINDER, formam um anel de bases exteriores e insulares para o Poder Marítimo e o comércio, inacessível ao Poder Terrestre da EURÁSIA.”


“As ferrovias funcionarão, principalmente como tributários do comércio oceânico. Porém as ferrovias transcontinentais estão agora modificando as condições do Poder Terrestre, e em nenhuma parte podem exercer tanto efeito como no fechado coração terrestre da EURÁSIA.”


“A virada do equilíbrio de Poder em favor do Estado Pivô poderia ocorrer se a ALEMANHA se aliasse a RÚSSIA, que permitiria a utilização de amplos recursos continentais para a construção de uma grande frota, dominar a Eurásia e a África e converter-se na “Ilha do Mundo”


Ao estabelecer relações entre o valor do Poder Naval e do Poder Terrestre, MACKINDER aceita o primeiro, porém enfatiza as vantagens do segundo, em particular quando se complementa com o Poder Naval.


Em relação a América do Sul, acrescenta Mackinder que “o desenvolvimento de suas potencialidades pode ter uma influência decisiva no sistema seja fortalecendo os Estados Unidos ou debilitando-os no caso que a Alemanha possa desafiar com êxito a Doutrina de MONROE.”


MAKINDER termina sua conferência alertando contra o perigo amarelo para a paz mundial, nestes termos:


“Se os chinos, por exemplo, organizados pelos japoneses, chegaram a vencer ao IMPÉRIO RUSSO e conquistar seus territórios, poderiam representar um perigo amarelo para liberdade do mundo, simplesmente porque teriam acrescido uma frente oceânica aos recursos do grande Continente, vantagens que não puderam gozar, ainda, os russos, ocupantes da região pivô.”


No seu livro “Ideais Democráticos e Realidade: um Estudo na Política de Reconstrução”, publicado em 1919, Mackinder lançou algumas recomendações para os estadistas aliados que deveriam assegurar um futuro pacífico para a EUROPA:


“Quando nossos estadistas se encontrarem conversado com o inimigo derrotado, algum querubim alado deveria deslizar-lhes em seus ouvidos, de vez em quando, estas palavras: Quem domina a EUROPA ORIENTAL, controla o HEARTLAND, quem domina o HEARTLAND, controla a ILHA MUNDIAL, e quem domina a Ilha Mundial domina o MUNDO.”


Expressou que os inclinados pelo Poder Naval não compreenderam, ainda, que” o conjunto continental da EUROPA, ÁSIA, e ÁFRICA é agora efetivamente e não só teoricamente uma ilha: é a ILHA MUNDIAL.”


Analisando a ILHA MUNDIAL, Makinder, concluiu que a “ÁFRICA apresenta também um segundo Heartland ao SUL do Deserto do SAARA, que mostra certa semelhança ao com o anterior. Passa assim a denominar NORTE HEARTLAND ou Euroasiático, e SUL HEARTLAND ou Africano.”


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Observando o novo espaço, Mackinder, chega a estabelecer outras quatro regiões (Terras Costeiras):O Saara e a Península Arábica; a Europa, Turquia, e parte do Norte da África; Índia, o centro e o este da China, toda a Península da Indonésia; e o extremo oriental da Sibéria Russa até a Península de Kamchatka incluída.


Posteriormente, em 1943, a revista norte americana Foreing Affairs publicou artigo escrito por MAKINDER intitulado “O Mundo Redondo e a Conquista da Paz” com os seguintes conceitos:


“A ideia do Heartland mantém sua atualidade, e é ainda mais valida que na época em que foi enunciada.”


“Para nosso presente propósito é suficientemente exato dizer que o território da União Soviética é o equivalente ao do Heartland, exceto numa direção. Se a União Soviética sai desta guerra com conquistadora da Alemanha, deve ser classificada com primeira potência terrestre do globo. Ademais, será a potência situada na posição estratégica defensiva mais vantajosa. O Heartland é a maior fortaleza natural da Terra. Pela primeira vez na história estará guarnecida por uma força suficiente em número e qualidade.


2. A INFLUÊNCIA GEOPOLÍTICA DE MACKINDER


  É  conveniente recordar a influência das ideias de MACKINDER sobre o geopolítico alemão general KARL ERNST HAUSHOFER e suas especulações sobre a hegemonia mundial (Escola de Munique), cujas ideias conduziram aos geopolíticos alemães a propor a hegemonia da ALEMANHA sobre a Europa oriental, primeiro, e depois sobre a UNIÃO SOVIÉTICA, na intenção de que se lograssem conquistar o Heartland e dominar o povo russo, haveriam, assim, consolidadoa maior fortaleza terrestre invulnerável a ação do Poder Marítimo. Isso seria o primeiro passo para a posterior conquista do mundo.[2]


As teorias de Mackinder também influenciaram gerações de estrategistas e estudiosos da geopolítica moderna e contemporânea. Foi com base na teoria do Heartland que o estrategista americano Nicholas J. Spykman (1893-1943) desenvolveu a teoria do Rimland, também denominada de Estratégia da Contenção, que serviu de base para o desenvolvimento da doutrina de segurança dos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial.[3]


3. ALGUMAS AÇÕES DAS PRINCIPAIS POTÊNCIAS NO PÓS GUERRA FRIA.


3.1 REVOLUÇÕES COLORIDAS


A maioria dos casos bem sucedidos de revoluções coloridas teve início a partir dos anos 2000.  Ocorreram em países com democracias recentes, ou que iniciavam o processo de democratização, na área de influência ou no território da antiga União Soviética, sendo que o principal resultado efetivo foi a derrubada de governos pró-Rússia e a ascensão ao poder de grupos ou partidos políticos pró-Estados Unidos.


Entre 2003 e 2005, três países da ex-União Soviética testemunharam movimentos oposicionistas chegarem ao poder, seja diretamente, através de eleições presidenciais, seja pela renúncia dos líderes de então em resposta a intensos protestos populares. Esse conjunto de movimentos – a Revolução das Rosas na Geórgia, a Revolução Laranja na Ucrânia e a Revolução das Tulipas no Quirguistão – acabou recebendo a alcunha de Revoluções Coloridas


Alguns autores consideram que tais revoluções foram patrocinadas diretamente pelos Estados Unidos, enquanto outros defendem que isso só foi possível devido à existência de movimentos de oposição locais ou nacionais.


3.2 INFLUÊNCIA DE MACKINDER NO PENSAMENTO GEOPOLÍTICO RUSSO PÓS-SOVIÉTICO.


A dissolução da União Soviética e os anos iniciais da recém formada Federação Russa criaram um revés na identidade Nacional do povo russo. O contraste foi agressivo, e para muitos russos, representou o caos e humilhação, podendo se falar em “grande desastre”. Então, novos pensadores geopolíticos começaram a surgir e o importante é entender a grande influência gerada no nacionalismo da população russa.


O governo da Rússia desenvolveu uma “narrativa útil”[4] para justificar a ação de agressão em seu “Near Abroad” (área de influência, também definido como o “estrangeiro próximo” da Rússia – novos estados independentes que outrora integraram a União Soviética e agora são vizinhos da Rússia). A narrativa repousa em uma “identidade de vítima”, na qual eles (Rússia) estão sob constante ataque do Ocidente – politico, cultural e territorial.


Levando esse conceito um passo afrente, a Rússia elaborou uma definição operacionalizada da “Identidade Russa”, que é maleável e pode ser manipulada de acordo com seus interesses políticos e estratégicos.


 A “Identidade Russa” é marcada por características russo étnicas:


– Falantes da língua russa;

– Praticantes ortodoxia oriental;

– Pessoas eslavas; e

– A extensão geográfica do Império Russo, Federação Russa ou União Soviética.


O uso da história da Rússia está interligado com o uso da geografia, voltando até a fundação da dinastía Romanov no século XVII. A “Identidade Russa”, operacionalizada pelo presidente russo, Vladimir Putin, serve de ímpeto e justificativa para ações belicosas na Europa e em outras áreas”[5]


“Aleksandr Dugin, um dos expoentes da corrente de pensamento eurasianista (estabelece que a civilização russa não pertence aos grupos “europeu” ou “asiático”, mas sim à concepção geopolítica da Eurásia), se envolveu profundamente com as ideias de Mackinder para apresentar a Rússia como um país aprisionado em meio às ânsias de poder do Ocidente, e concluir que a Rússia deveria mover-se para dominar, mais uma vez, as antigas repúblicas soviéticas ou “Eurásia”. Por fim afirmava que seria importante a integração dos países na Eurásia.


Enfatiza Dugin, “A Rússia é o protetor da integridade territorial de cada um dos países pós-soviéticos. […] Os países na região adjacente à Rússia podem preservar a sua integridade territorial apenas se mantiverem boas relações com a Rússia”. É este o axioma da política externa russa atual e o seu mapa mental aponta para a recomposição de relações na Eurásia de acordo com um certo destino manifesto russo”.[6]


Nesse contexto, na Região do Ártico, a Rota do Mar do Norte, ao longo da costa Russa, tem o uso facilitado pelo maior degelo na atualidade, diminuindo distâncias e trazendo grandes vantagens para o comércio[7] marítimo e o Poder Naval. Acrescente-se, ainda, a exploração econômica das reservas petrolíferas e minerais na Região.


A Rússia trabalha, também, incessantemente para impedir o avanço da aliança atlântica em sua antiga zona de influência. Proteção do Marginal Crescente de Makinder.


Assim, fica evidente que a Rússia busca o controle do NORTE HEARTLAND ou EUROASIÁTICO


4. A RELEVÂNCIA ESTRATÉGICA DA CHINA QUANDO O ASSUNTO É O CONTROLE DA EURÁSIA. 


O território da Eurásia tem testemunhado o crescimento de uma nova potência, um novo pretendente ao controle da região: a CHINA.


As atuações da China na África podem significar a busca do controle do SUL HEARTLAND ou Africano, que é o coração da zona intermediária ou das vastas extensões de terras exteriores do crescente insular da Rússia e dos Estados Unidos. Está ação facilitará o controle do Magrebe7, a ligação com a Eurásia através da Península Arábica, e uma maior presença naval, e um maior controle pela China das Linhas de Comercio Marítimo do Oceano Índico.


Nessa direção sobressai:


– o apoio financeiro às ações da Rússia na região do Ártico;

a ORGANIZAÇÃO DE COOPERAÇÃO DE XANGAI, cooperação Militar, Econômica e Combate ao Terrorismo e Separatismo, envolvendo oito países membros, China, Rússia, Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Uzbequistão, Índia e Paquistão; quatro estados observadores: Afeganistão, Bielorrússia, Irã e Mongólia; e, ainda, seis “parceiros de diálogo”, a Armênia, o Azerbaijão, o Camboja, o Nepal, o Sri Lanka e a Turquia (membro da OTAN). Todos Estados pertencentes ao Interior Marginal Crescente de Makinder.

– a NOVA ROTA DA SEDA, uma série de investimentos, particularmente nas áreas de transporte e infraestrutura, terrestres, conectando a Europa, o Oriente Médio, a Asia e a África e marítimos (Rota), passando pelo Pacífico, cruzando o Índico e alcançando o Mediterrâneo. (Um projeto econômico arriscado, árduo, longo e passivo de insucesso). Substituindo as ferrovias transcontinentais de Makinder estarão no futuro próximo modificando as condições de relação do Poder Terrestre com o Poder Marítimo[8].

– o COLAR DE PÉROLAS, uma sucessão de bases aéreas e navais, portos comerciais e centros de inteligência estrategicamente posicionados pela China para formar um “cordão”, de modo a encurralar a Índia e quatro importantes penínsulas: a Indochina, a Indostânica, a Arábica e o Chifre da África, e a vigiar Ponto de Controle Estratégicos na Região Indo Pacífica. Tem por finalidade aumentar a segurança das Linhas Marítimas de Comercio e se proteger da intervenção do Poder Naval da Potência Hegemônica[9].  


5. CONCLUSÃO


É certo que a geografia influi em variado grau sobre a Política Internacional, não é possível aceitar que a determine decisivamente, sem esquecer o papel do homem, que é, eventualmente, quem a aciona politicamente sobre a superfície da Terra.


Na atualidade devemos considerar, também, o Poder Aéreo, as armas de destruição em massa, ao grande avanço tecnológico alcançado pelo material de emprego militar, ressaltando o uso da inteligência artificial, e, por fim, afirmar que “AS IDEIAS DE MACKINDER AINDA REVERBERAM NA ATUALIDADE”.



[1] Carlos Alberto Pinto Silva / General de Exército da reserva / Ex-comandante do Comando Militar do Oeste, do Comando Militar do Sul, do Comando de Operações Terrestres, Ex-comandante do 2º BIS e da 17ª Bda Inf Sl, Chefe do EM do CMA, Membro da Academia de Defesa e do CEBRES.

[2] https://educacao.uol.com.br/disciplinas/sociologia/geopolitica-teorias-do-heartland-e-do-rimland.htm

[3] https://educacao.uol.com.br/disciplinas/sociologia/geopolitica-teorias-do-heartland-e-do-rimland.htm?cmpid=copiaecola

[4] História.  

[5] The Institute of Land Warfare Association Of The United States Army – Making Sense of Russian Hybrid Warfare: A Brief Assessment of The Russo–Ukrainian War. By Amos C. Fox e Andrew J. Rossow

[6] https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-33522016000200043

7 Ásia /Europa

[8] Poder Marítimo, na concepção do Almirante Flores (1972), se constitui na integração dos meios relacionados com o mar, para fazer uso deste visando o progresso, desenvolvimento e segurança de um país e abrange todos os recursos: sua parcela do Poder Militar no mar através da Marinha de Guerra, a Marinha Mercante, as …

[9] Aquele que controla o Oceano Índico domina a Ásia. Este oceano é a chave para os sete mares. No século XXI, o destino do mundo será decidido em suas águas. Alfred Mahan.

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