█ A SIMBOLOGIA DO DIA 19 DE ABRIL

Alegoria ao nascimento do Exército Brasileiro

Se, em 19 de abril de 1648, a incipiente (mas vitoriosa) força militar era composta de portugueses, de mazombos (portugueses nascidos no Brasil), além de negros, de índios e de miscigenados de todas as três etnias, por que, então, tornou-se o dia comemorativo do nascimento de um brasileiro exército?

As Forças Armadas são Instituições nas quais impera o simbolismo de gestos, de sons, em solenidades, ou fora delas. O Exército, visto pela ótica emblemática, é uma das Instituições que mais se utiliza da simbologia oral, da simbologia gestual e da simbologia do acatamento ao passado. É neste último que está inserido o Dia em que se comemora, de maneira a enaltecer os nomes daqueles responsáveis pelo nascimento da Instituição. Para realce de qualquer efeméride, não podem faltar o comportamento marcial, o timbre de voz de comando e os toques sincopados do clarim que determinam os movimentos da tropa. Todo esse aparato é necessário, para reviver um fato que se inscreveu no passado e que se tornou modelo exemplar para a Instituição já que representa, para ela, simbolicamente, a sua própria gênese.

Mesmo num mundo de tecnologia avançada e de pragmatismo conceptual de que o que está em vigor é o “agora”, não podemos aceitar essa visão de presente como mandatário de um tempo fluido, sem lastro histórico, e nem nos deixarmos guiar pela falsa ideia de romantismo retrógrado e de que o que passou, morreu. Se cada um de nós reserva um histórico particular, o que dizer, então, de uma Instituição que nasceu concomitantemente com o nascimento de um país?

Estamos rodeados de símbolos e não nos damos conta disso. Essa falsa superioridade do ego de relegá-los ao plano inferior de suas preocupações, é responsável de o homem estar perdendo a sua sensibilidade e dando norte a seus impulsos negativos, por não respeitar os seus antepassados e não seguirem o que de exemplar deixaram para ele.

Um ex-presidente, que tem como símbolo o cifrão ($), disse, com palavras muito parecidas, mas com o mesmo teor, que o Exército quer ser diferente e eu acho errado. Ele não tem que achar certo ou errado uma Instituição Militar querer ser diferente, mesmo porque ela não quer ser, ela já é diferente, como Força arraigada à disciplina e à herança de ancestrais guerreiros. Os símbolos que decoram as paredes dos quartéis e as inscrições nelas inseridas são energéticos elementos das Armas respectivas.

Desde longínquos tempos, o homem sempre se apegou a algo que lhe parecia salvador, protetor, e que, em razão disso, tornava-se objeto de seus cuidados e devoção. Assim fez o Exército com o 19 de abril.

Se a formação da primeira força era híbrida, isto é de somenos importância, porque o que se exalta, no presente, é o paradigma que legaram, de brio e de exemplar atuação em Guararapes. Há mais de três séculos, seus componentes deixaram marcada, na história, a vitória contra os invasores holandeses, ou, como muitos preferem, neerlandeses, bem-equipados de munição. Mesmo assim, no lamaçal para onde os conduziu o Mestre de Campo e estrategista Antônio Dias Cardoso, diante do precário armamento dos luso-brasileiros, os holandeses, de pesados uniformes e equipamentos, não resistiram ao terreno. Foram fragorosamente derrotados. Cardoso foi um mestre nas guerrilhas e das guerrilhas! Os holandeses, acostumados à terra firme, e não ao pântano, caíram na armadilha do habilidoso português.

Mestre de Campo Antônio Dias Cardoso, estrategista.    

A primeira vitória viria a simbolizar todas as vitórias vindouras, destacando o fato de que o Exército sempre triunfou em todas as batalhas nas quais viera a participar. Isto é um símbolo!

Os componentes da força, ainda primária, são lembrados, não porque pertencessem a esta ou aquela etnia, mas pelo resultado de suas ações, por sua vez, resultantes do desprendimento deles, como agentes, por sua vez, imbuídos de uma vontade férrea de vencer, para libertação do território, pela primeira vez, chamado pelo grupo nele nascido, de “Pátria”.

A simbologia, portanto, vence a realidade. A parte brasileira da força se separou da parte lusitana, no dia em que D. Pedro, retirou do braço as cores portuguesas, em 1822. Isto, também, é um símbolo!

Esta é a data oficial. Porém, o grito de independência já tinha sido ensaiado em 1648. A vitória em Guararapes projetou-se pelo tempo afora, quedou-se oculta durante os tempos regenciais e imperiais, e veio ocupar o seu espaço definitivo em 24 de março de 1994, quando foi instituído o Dia do Exército, simbólico, mas verdadeiro. Parece, mas não há contradição!

Em 1822, quem fez a Independência foi o Príncipe Regente e não a força militar. Esta, apenas, o apoiou. Ocorre, no ato, a separação estrutural entre brasileiros e portugueses. Em Guararapes, não! Os mesclados membros de um primeiro estágio de força foram à luta e venceram um inimigo acostumado à invasão, à compra de traidores (Calabar, em 1632) e à batalha campal. Fica lembrado aqui um outro episódio semelhante. Com pouca munição, os brasileiros fizeram frente à veterana 148ª Divisão Alemã, durante a Segunda Guerra, e venceram.

A solenidade correspondente à data representa uma recordação de um tempo histórico e, recordar é trazer ao presente, simbolicamente, para reviver junto às novas gerações de militares, o que fizeram os seus predecessores, com precariedade de armamentos contra um invasor sobre o qual recaíam investimentos pesados, por isso, bem-equipado. Deverão eles dar continuidade à projeção dos fatos da história da Instituição que são os mesmos fatos da história do Brasil. E sem a história militar, não há a história da Nação. Sem a simbologia militar, perde-se a alma da Nação.

Que façam, da mesma forma, com as outras datas, que deixaram de ser rememoradas ou que não são em todas as Guarnições, o que jamais deveria acontecer, para que não sejam esquecidas as causas que as tornaram de importância fundamental para a Instituição, para o País e para povo! Todas, sem distinção, devem ser renovadas, no tempo, pela lembrança e pelo respeito, no presente, aos seus protagonistas do pretérito. A simbologia mantém viva a chama do Exército como Organização que conserva laços fortes com o passado, relação temporal que o faz guardião da história da Nação e dá a certeza ao povo de que ele está sempre presente.

Se não fosse o Desfile Militar, no dia da Independência, recordar, simbolicamente, um fato de grandeza tal para a Nação, o Sete de Setembro, passaria à memória do povo como mero feriado, como tem sido divulgado pela mídia venal, cujo intuito é apagar todos os dados de País soberano, com a intenção de desfazer o liame entre povo, história e nacionalidade.

Houve época em que a Ordem do Dia nas efemérides do Exército era aguardada com expectativa. As palavras pejadas de significado traziam o selo do seu Chefe. Mas, eram outros tempos, temos que reconhecer. Havia as pastas ministeriais militares, depois, um indefinido Ministério da Defesa, nem um pouco empático, nem um pouco simbólico.

Não se pode, no entanto, esquecer o aniversariante, o Exército, como Instituição, ao qual felicitamos pelos 374 anos de seu simbólico, mas vitorioso Dia 19 de Abril de 1648!

Imagens: Google

Dr.ª em Língua Portuguesa. Acadêmica Fundadora da Academia Brasileira de Defesa (ABD); 1.ª Vice-Presidente do Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos (CEBRES); Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB); Colunista do Jornal Inconfidência.

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