█ A Roda Gigante da História


Na presente oportunidade, estamos tendo a felicidade (ou a infelicidade) de atingirmos a posição correspondente ao grau zero na roda gigante (que possui a forma de um círculo trigonométrico, dividido em trezentos e sessenta graus) da História; isto é, o seu ponto mais baixo.

Por diversas vezes, ao longo de sua existência, a raça humana (ou parte dela) se viu frente a uma nova situação ameaçadora e desconhecida, como a que agora vivenciamos.


Estou certo de que o mesmo sentimento de insegurança, de medo de temor e de aflição, com relação ao futuro desconhecido, já deve ter ocorrido a milhares de indivíduos, senão milhões, em várias partes do planeta e em várias épocas distintas da nossa história.


 Na antiguidade e na idade média quando hordas inimigas invadiam determinados territórios; quando uma peste desconhecida dizimava populações inteiras; quando terremotos ou cataclismos vulcânicos atingiam regiões habitadas, matando seus habitantes; quando secas dizimavam as colheitas, trazendo a fome para grandes populações; quando nevascas devastavam a fauna e flora, matando de fome e frio os habitantes de vastas regiões; as populações afetadas por estes episódios passavam por crises semelhantes aquela que ora passamos, embora de menores proporções globais, gerando sentimentos de medo e de apreensão iguais aqueles que hoje nos acometem.


Na idade contemporânea, as grandes guerras com seus efeitos catastróficos, destruindo bens e vidas humanas, trouxeram o temor, o desânimo e a descrença para milhões de seres humanos; porém, da mesma forma que estas guerras vieram, elas também se foram.


Por diversas vezes, ao longo da história humana, povos, raças, civilizações já tiveram seus ápices e seus ocasos. Muitos chefes, patriarcas, monarcas, imperadores, generais, todas figuras extremamente poderosas em suas épocas, foram sepultados para sempre no lixo da história e seus famosos nomes se viram totalmente esquecidos pelas gerações futuras. Por outro lado, figuras humildes e sábias, com algo de especial que os destacavam dos demais, são ainda hoje lembrados e reverenciados pelas atuais gerações. A história possui seus próprios critérios de preservação de biografias…


Desde a última grande guerra, a espécie humana passou por um período de relativa calmaria, ponteada de episódios ocasionais de guerras localizadas e de pequenas proporções; de revoluções; de novas enfermidades; bem como de novos cataclismos da Natureza.


Nada, no entanto, da magnitude mundial como a atual pandemia de um vírus denominado Sars-Cov-2, que alguns analistas afirmam fazer parte de uma guerra biológica em andamento e que teve o poder de parar, mundialmente, a vida de muitos países, que adotaram a quarentena em casa como forma de tentar diminuir os seus efeitos imediatos, para não colapsar seus sistemas de saúde, incapazes de atender em um mesmo momento a todos os eventuais infectados.


Pode-se dizer que o mundo parou: pararam os voos internacionais de passageiros, o turismo, as cidades ficaram vazias, as lojas foram fechadas; bem como as indústrias de bens de consumo e, mesmo, as de bens de produção em muitos países. Foi instituída uma quarentena obrigatória em muitas cidades e países do mundo.


Ninguém sabe quando isto tudo terminará, nem como será o novo mundo com que nos defrontaremos após a passagem deste terrível vendaval pandêmico. O saldo que podemos imaginar será o de milhares ou milhões de mortos e indivíduos com sequelas permanentes; milhões de desempregados; milhares ou milhões de empresas com atividades cerradas.


Talvez, em breve, faltem produtos de alimentação, bens de consumo duráveis, bens de produção. A violência em todo o mundo deverá se elevar. Talvez a possibilidade de guerras entre as potências nucleares esteja mais próxima do que jamais esteve. Impérios poderão trocar suas posições de liderança no novo cenário mundial. O comércio internacional será reduzido e muitos países sofrerão recessão econômica.


E pensar que uma grande parcela disto tudo que hoje ocorre no mundo é devida à ambição pelo poder e riqueza, à avareza, ao egoísmo, à ignorância, à soberba e à vanglória dos donos do mundo e de seus prepostos, notadamente em decorrência da competição pelos recursos naturais, pela supremacia tecnológica e bélica, pelo domínio de posições geoestratégicas.


Desde o início da pandemia as ações baixaram nas bolsas de valores, fortunas trocaram de mãos de um dia para o outro, a corrupção grassou solta pelo mundo à fora, notadamente em nosso país onde, na dispensa de licitações e de concorrências públicas por serem compras emergenciais, produtos, obras e serviços foram superfaturados.


Aqui, ademais, temos outras variáveis a influírem em nossos destinos: a ideologia marxista que alguns desejam ver implantada no país e a cleptocracia, que nas últimas décadas se instalou em cargos chaves dos três poderes da república e que luta com todas as forças que possui para permanecer onde está, não hesitando em rasgar a constituição quando lhe convém e em desafiar o representante do poder executivo para demonstrar que tem poder.


Talvez, a partir desta pandemia, as Economias, mundial e domésticas, se estruturem sobre outras formas; a vida nas cidades e nos campos sejam modificadas; sejam proibidas as manipulações genéticas com vírus; sejam aumentados e aperfeiçoados os mecanismos de detecção e controle sobre endemias, epidemias e pandemias; os hábitos de consumo de modifiquem; se valorizem mais determinadas profissões que outras; os heróis passem a ser aqueles que expõem as vidas para salvar seus semelhantes e não aqueles que, explorando as fraquezas destes pelos esportes e pelos espetáculos circenses midiáticos, enriquecem às custas de torcedores e espectadores.


Neste momento em que me encontro em casa, já há muitos dias, sob total quarentena, me vem à mente as palavras do filósofo hispano-árabe Ibn Hazn (994-1064), também conhecido como Abzeme, em sua obra ‘A Filosofia’, quando dizia:


“Há os que desejam a riqueza só para afastar do espírito o medo da pobreza; outros procuram a glória para se libertarem do medo de serem rejeitados; outros procuram prazeres sensuais para fugirem ao sofrimento das privações; outros, ainda, procuram o conhecimento para não terem a incerteza da ignorância. Há também os que gostam de saber dos acontecimentos e de conversar, para assim afastarem a tristeza da solidão e do isolamento. Em resumo: o homem come, bebe, se casa, observa o mundo, se diverte, tem uma casa, anda ou fica quieto com o único objetivo de expulsar as contrariedades e, de um modo geral, todas as outras ansiedades. Mas, por sua vez, cada uma dessas ações dá origem a novas ansiedades”.


Essas ansiedades, típicas dos seres humanos desde os primórdios, conduzem muitos deles para o caminho das drogas, licitas ou não, e outros tantos, sabendo aproveitar a oportunidade, para a busca dos próprios desenvolvimentos mental e espiritual. Como alguém já disse, toda crise é uma época de oportunidades raras para o aprendizado e a evolução.


Pelo fato de nos encontrarmos no ponto mais baixo da roda gigante da História, no momento parada para o desembarque de um grande contingente humano, é de supor que em algum momento ela irá se colocar novamente em movimento. Temos de nos preparar para esse momento, modificando conceitos, adaptando formas de ação, criando novas maneiras de encarar a realidade. O importante é aprender a sobreviver em um meio inóspito como aquele que, de uma hora para outra, por força da conjuntura e das consequências, poderemos ter de nos defrontar novamente.


O mundo da tecnologia é fantástico, quando existe energia elétrica, quando tudo está funcionando corretamente, quando a vida segue normal. De nada vale quando temos que sobreviver por nossos próprios meios, quando dependemos, apenas, de nós mesmos e não podemos contar com o Estado, suas instituições e seus agentes para a nossa proteção e manutenção. Além disto, quando inexiste segurança jurídica, as leis, decretos e portarias perdem seus valores.


Acredito que nem mesmo Nostradamus, caso ainda fosse vivo, poderia predizer como será o mundo daqui por diante. Creio que a ideia de globalismo (que veio substituir a de pátria, em uma Economia mundial cada vez mais interdependente) será substituída, novamente, pela de pátria. O sentimento de nacionalidade deverá se acentuar. Talvez o turismo mundial diminua, em detrimento do turismo nacional interno; o comércio mundial de itens supérfluos talvez caia; é possível que os países se fechem em suas fronteiras. O sentimento religioso, o misticismo e a espiritualidade deverão se estender por um número maior de seres humanos; os laços familiares deverão se fortalecer, enquanto os países buscarão todos se rearmar.


Acredito que as técnicas de sobrevivencialísmo serão buscadas por um número cada vez maior de pessoas; bem como, todos aqueles que puderem, procurarão retornar ao campo para viver ou, mesmo, para manter neste uma pequena casa ou refúgio de final de semana ou de férias, onde armazenarão água e comida e poderão sobreviver em caso de necessidade.


A situação atual é crítica, mas devemos recordar que nossos antepassados já viveram situações parecidas e o mundo seguiu em frente.


Em breve, quando a roda gigante da história estiver subindo de novo, até a posição de 180 graus, todos os passageiros, em seus países, sorrirão felizes e se esquecerão do ano de 2020, quando eles estavam no grau zero. Imaginarão que a nova subida jamais terá um fim e que a sua ascensão será exponencial. Só se darão conta da triste realidade da vida terrestre quando, tendo atingido a posição de 180 graus, perceberem que a roda começa a girar na direção descendente, rumo, novamente, a posição do grau zero.


Segundo alguns cientistas reconhecem em, ao menos, 5 ocasiões distintas mais da metade das espécies da Terra desapareceram. São as chamadas ‘Big Five’, as maiores extinções de todos os tempos. Elas aconteceram nos últimos 500 milhões de anos, em intervalos que variaram de 50 milhões a 150 milhões de anos.


Sobreviveremos a uma sexta extinção? Essa discussão já foi alvo de um estudo de Elizabeth Kolbert, denominado ‘A Sexta Extinção: Uma História Não Natural’, publicado em 2014 e ganhador do Prêmio Pulitzer. Todavia, por fugir ao escopo do presente texto, ficaremos por aqui. Para aqueles leitores que desejarem se aprofundar no assunto, existe uma edição em português, de 2019, da editora Elsinore.


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