Alguém já disse que a disputa pelo poder se assemelha a um casal dançando colado; quando a perna de um deles avança a do outro se retrai, para que a dança possa prosseguir seu curso sem interrupção.
Poder, segundo os dicionários, é a capacidade de deliberar arbitrariamente, de agir, de mandar e, também, dependendo do contexto, a faculdade de exercer a autoridade e a soberania.
Tem sido o poder estudado por filósofos e sociólogos, dentre outros pesquisadores. Para os primeiros “A organização do Estado e dos poderes coincide com um contrato social (ou Constituição) que substitui o estado anterior de Natureza, no qual dominava a força física e a lei do mais forte (ou o mundo cão ou o caos social). Quando todos detêm o poder, na realidade, este poder será inexistente, de fato e de Direito, no caos social que, sem dúvida alguma, irá imperar”.
Por outro lado, “quando a corrupção existe e é intensa, passa a vigorar um poder paralelo ao poder oficial de Direito, poder este que será oposto, em sua totalidade, ao Contrato Social ou a Constituição do país em questão”. Acresce, ademais, que “a violência sempre ocorre quando se dá a perda de autoridade e do poder”.
Para alguns filósofos “o poder é menos uma propriedade do que uma estratégia e seus efeitos não são atribuídos a uma apropriação, mas, sim, a disposições, manobras, táticas e funcionamentos. O poder é exercido mais do que, de fato, é possuído. Não é o poder um privilégio adquirido ou conservado da classe dominante, mas, sim, o efeito conjunto de posições estratégicas adotadas”.
Relativamente ao campo da Sociologia, o poder é definido “como a habilidade de impor a sua vontade sobre a dos outros, mesmo quando estes resistem de alguma maneira”.
O poder, portanto, é acirradamente disputado pelos agentes participantes do processo de aperfeiçoamento da nossa civilização, chamada humana. Qualquer que seja o sistema de governo de um determinado país, a briga pelo poder sempre estará presente; tanto entre aqueles que dele já desfrutam quanto daqueles que dele querem desfrutar.
Abuso de poder ou abuso de autoridade, por sua vez, é conceituado como “o ato de se prevalecer de cargos para fazer valer vontades particulares”. No caso de um agente público, este “atuaria contrariamente ao interesse público, desviando-se da finalidade pública”.
No Brasil, a Lei nº 13.869, de 5.9.2019 (conhecida como a Lei do Abuso de Autoridade), em seu Artigo Primeiro, dispôs “sobre o direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal, contra as autoridades que, no exercício de suas funções, cometerem os abusos regulados pela presente lei”.
Em seus Artigos Terceiro e Quarto a lei define o que constitui abuso de autoridade; isto é, “qualquer atentado contra: à liberdade de locomoção; à inviolabilidade do domicílio; ao sigilo da correspondência; à liberdade de consciência e de crença; ao livre exercício do culto religioso; à liberdade de associação; aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto; ao direito de reunião; à incolumidade física do indivíduo; aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional; ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder; submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei; deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa; deixar o Juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada; levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei; cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial carceragem, custas, emolumentos ou qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie quer quanto ao seu valor; recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa; o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal; prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade; prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade”.
Vejo, portanto, que a preocupação dos legisladores, ao promulgarem está lei, se estendeu, apenas, à Expressão Psicossocial do poder nacional, nada mencionando com respeito ao abuso de poder nas demais expressões, como, por exemplo:
Na Expressão Política – quando os parlamentares, abusando de seu poder e autoridade como representantes do povo, legislam de forma contrária aos interesses deste ou em seu prejuízo;
Na Expressão Militar – quando os militares, abusando de seu poder e autoridade, em dissintonia com a legislação vigente, interferem nos demais poderes constituídos para destituir governantes, fechar o parlamento e envolver-se em guerra interna ou externa;
Na Expressão Econômica – quando grupos econômicos, abusando do seu poder e autoridade, buscam a dominação de mercados, a eliminação da concorrência e a geração de lucros exorbitantes em épocas de escassez de oferta ou de excesso de demanda;
Na Expressão Tecnológica – quando o Estado ou a iniciativa privada, abusando do seu poder e autoridade, fazem uso do desenvolvimento tecnológico de que são detentores e passam, ao arrepio da lei e de forma sorrateira e secreta, a invadir a privacidade dos cidadãos, a espionar suas atividades quotidianas e a interferir nas suas vidas particulares.
Suponho que, centrando a ação da lei na Expressão Psicossocial e omitindo o abuso de poder nas demais expressões, os legisladores objetivavam, principalmente, conter o Poder Executivo e de se auto excluírem deste abuso; ou seja, continuarem a se prevalecer dos cargos políticos que ocupam para fazer valer suas vontades particulares.
Na minha modesta opinião, creio que o maior abuso de autoridade é aquele perpetrado por parlamentares contra o quadro institucional vigente, ao criarem novas leis que suprimem direitos populares ou que os modifiquem para pior. Da mesma forma agem os parlamentares quando legislam para beneficiar a uma minoria, em detrimento da maioria, e quando, com suas leis esdruxulas, interferem e colocam uma ‘camisa de força’ no Poder Executivo, impedindo as suas respectivas autoridades de tomar medidas que se fazem necessárias e urgentes em benefício da nação.
O fato é que, na disputa pelo poder (que sempre existiu, mesmo nos regimes democráticos), o legislativo tem o poder de controlar, através de suas leis, o funcionamento do judiciário e do executivo, quando estes são, eventualmente, geridos por pessoas mal-intencionadas, temerárias e/ou corruptas. Todavia, os demais poderes não podem controlar um parlamento, eventualmente, mal-intencionado, temerário e/ ou corrupto, a não ser praticando o tão famoso e temido abuso de autoridade; pois, como já dizia Santo Agostinho: “A necessidade não conhece leis”…